28 março 2006

Apontamentos de economia 4

O objectivo poético da privatização de empresas

Fukuyama: «A tendência para a privatização de actividades do sector público, como companhias aéreas, empresas de telecomunicações ou companhias petrolíferas estatais, visa submeter estas empresas a pressão de concorrência.» (A Construção de Estados, p.70)
Poder-se-ia julgar que a privatização deste tipo de empresas obedecesse a dois objectivos fundamentais: um, o de permitir que o Estado arrecade receitas pela venda dessas empresas; outro, o de essas empresas constituírem fontes de lucros, nas mãos privadas, tão certo quanto, se assim não fosse, os privados não porem nelas as mãos, isto é, não quererem a sua propriedade. Que, por força deste objectivo «empresarial» e de «mercado», os privados remodelem as empresas, as reformem, quer no que respeita a estruturas quer no que respeita a trabalhadores (que, geralmente, estão a mais), e as submetam à «competição do mercado», isso é um efeito e não uma causa, é a consequência «natural» de quem tem de sobreviver na selva capitalista e ainda quer obter lucro. Privatizar para, segundo Fukuyama, «submeter à concorrência», como se a concorrência fosse um fim em si, constitui a visão poética da economia, tal como aquela, inseparável desta, que diz que obter «lucros» é tão natural como o ar que respiramos.

24 março 2006

Direitos humanos segundo os EUA

O secretário de Estado adjunto dos direitos humanos da Administração norte-americana, Barry Lowenkrau, durante a conferência de imprensa para divulgar o relatório sobre a questão dos direitos humanos no ano de 2005, argumentou que a tortura associada a Abu Graib, ou Guantánamo não o «impede de levantar as questões da Birmânia» e que «isso» não o impedia de «evocar problemas na Internet na China nem os problemas das restrições impostas às ONG na Rússia». De facto, só uma mente pérfida é que julgaria que uma coisa deveria impedir a outra, até porque toda a gente sabe que a sobranceria imperial não é de hoje e que, portanto, já deveria estar habituada, nem que, tão-pouco, o que se denuncia nos outros não tem de ser necessariamente denunciado dentro de casa, pois, se assim fosse, com que credibilidade o discurso norte-americano sobre os direitos humanos apareceria à opinião pública mundial?
Estamos a ver o que seria a sra. Rice apresentar este tipo de relatório e anunciar que a China controla e censura a internet e que os EUA controlam e vigiam todo o correio electrónico do mundo… Que na China há «abuso físico que resulta na morte de detidos, tortura para obter confissões, sistema judicial controlado pelo Governo, prisões políticas, monitorização dos e-mails» (Público, 9/03/06), mas que os EUA têm Abu Graib e Guantánamo, políticas selectivas de tortura de prisioneiros de guerra, e de outros que nem são prisioneiros de guerra nem deixam de ser, escutas telefónicas de milhares de americanos ao abrigo do Patriot Act e de que ninguém sabia de nada, nomeação dos juízes do Supremo Tribunal pelo Governo, etc.
Talvez que o discurso de verdade sobre si próprio tornasse o relatório norte-americano sobre os outros países, mais aceitável, sem tantos anticorpos e com outros resultados. Mas verdade e política serão cara e coroa da mesma moeda?

22 março 2006

Presidente de todos os portugueses?

Depois de Miguel Sousa Tavares dizer «Amém» a Cavaco Silva, enquanto «presidente de todos os portugueses», também ele finalmente deleitado com a pompa e circunstância da entronização do «plebeu» tornado «rei», é bom para a paz de espírito que outras mentes não caiam nessa tentação. Por isso é de louvar que Mário Mesquita escreva que Cavaco Silva, ao querer ser Presidente de «Portugal inteiro», não o queira ser de todos os portugueses, facilitando, desse modo, a vida «àqueles cidadãos, por certo minoritários, que queiram dispensar-se (e dispensá-lo) de o considerarem «seu» Presidente, sem com isso porem em causa a inquestionável legitimidade da sua eleição» (Público, 12/03/06).
Subscrevo por baixo.

21 março 2006

Frases

1. Para Eduardo Cintra Torres, «O gesto contra-ritual de Soares [o de este não se ter enfileirado para o beija-mão a Cavaco] foi o supremo gesto contra-democrático daquele a quem chamam “pai da democracia”» (Público, 12/03/06).
Um gesto simbólico contra outros gestos simbólicos é interpretado com esta leviandade e com a rudeza pejorativa de quem se julga com a autoridade suficiente para retirar o título de «pai da democracia» que outros teimam em atribuir a Mário Soares. Vá lá que a ligeireza de Cintra Torres ficou no «anti-democrático». Num dia sim, chegaria facilmente ao «gesto fascista». É uma questão de treino e persistência.
2. Jerónimo de Sousa, comentando o discurso de Cavaco, na tomada de posse, dizia que a «melhor prova do pudim é comê-lo». Pois, mas tal como há certas coisas que são melhores ao paladar do que à vista, há outras que depois de vê-las nem apetece provar…
3. Paulo Moura interrogava-se, no passado dia 12, sobre aquela «mulher vestida de negro», que teria falado quase ao ouvido de Cavaco e ter-lhe-ia retirado o sorriso de orelha a orelha que o recém-empossado fazia questão de alardear. Mulher vestida de negro? A cochichar ao ouvido de Cavaco? A deixá-lo encavacado? Caro Paulo, esclareça o assunto.

18 março 2006

Acima de qualquer suspeita

O ministro dos Assuntos Parlamentares queixa-se, em carta ao director do jornal Público, de 17/03/06, que a sua entrevista, publicada a 13 deste mês, foi «editada» de tal maneira que inseriram «transcrições erradas do que afirma o entrevistado». Augusto Santos Silva apresenta quatro exemplos concretos da acusação que faz ao jornal. O director do jornal, em resposta, argumenta: a de Augusto Santos Silva foi a primeira reclamação, em mais de 150 entrevistas, pelo que, deixa a entender, não é significativo…; sobre o «conteúdo dos protestos», o sr. director acha que quem deve julgar se Augusto Santos Silva tem ou não razão, são os leitores, eximindo-se, por um lado, à sua responsabilidade, e, por outro, atribuindo aos leitores a responsabilidade de julgarem aquilo que ele fez…; quanto aos exemplos apresentados pelo entrevistado, o sr. director julga que aqueles o «deixam de consciência tranquila», justificando-se pela «condensação» da entrevista, «indispensável à sua inteligibilidade», e passa a explicar como é que se faz essa «condensação», de modo a garantir que, de «40 mil caracteres» se passe para os publicados «13 mil»: «cortar as repetições»; «comprimir as perguntas dos entrevistadores»; «retirar a retórica verbal conservando o essencial das respostas», mas sempre de forma «fiel ao pensamento do entrevistado»
O que torna esta explicação do director do Público, exaustiva e sui generis, é que ela não adianta nada em termos do que é reclamado pelo entrevistado, declinando, ainda por cima, neste, a responsabilidade de tudo, até porque, acrescenta o sr. director, «o ministro não terá gostado da forma como lhe correu a entrevista»! Quer dizer: o ministro vê a sua entrevista truncada, recortada, resumida aqui e ali, por isso reclama, e a resposta é a de que o problema é… dele!
Poderia ser de outra maneira? Poderia ser que alguma passagem da entrevista tivesse sido mais truncada do que o necessário para apreender-lhe o sentido? Poderia ser que certa passagem estava a ser citada fora do contexto e, assim, a adquirir outro sentido que não o original? Poderia ser que, mesmo sem querer, outra afirmação fosse cortada de forma intempestiva, porque considerada de menor importância? Os srs. jornalistas não cometem erros desses. Os srs. jornalistas podem censurar os textos que julgam dever publicar? Os srs. jornalistas podem deturpar voluntariamente o sentido dos textos publicados? Os srs. jornalistas nunca têm intenções dessas. Os srs. jornalistas são só profissionais acima de qualquer suspeita. Todos. Eis a lição do sr. director.

17 março 2006

O «ávido de protagonismo» confessa-se

O juiz-desembargador, Eurico Reis, confessa (Expresso, 11/03/06) a sua santa ignorância acerca do seu métier: de início, «não tinha uma noção muito clara do verdadeiro significado e do papel social da função» que desempenhava; depois, verificou que as coisa ainda eram piores do que pensava porque, se ele não tinha uma noção do que fazia, «a generalidade das pessoas que exerce actividade dentro do sistema», também não tem uma «noção clara do que significa realmente ser juiz, ou advogado ou agente do Ministério Público, ou até quais são os objectivos sociais que esse sistema tem que satisfazer»; ora, diz o sr. juiz-desembargador, ainda há mais, pois, a «deficiência estrutural na formação dos vários profissionais do Foro» é de tal ordem que «esse mal afecta o grosso da comunidade nacional, incluindo os detentores do poder político»; finalmente, afirma Eurico Reis, o panorama torna-se ainda «mais grave porque é a própria sociedade que não sabe o que pode/deve exigir aos seus tribunais». Portanto, nem ele, Eurico Reis, nem os colegas, nem os políticos, nem sequer a própria sociedade, sabem alguma coisa do assunto…
O que é que sobra deste aturado esforço de generalização de ignorância a todos, para além dele próprio, acerca dos tribunais? Que ele nunca descansará, pois, como diz «não sou o único a olhar o céu»…

O bando

Que Freitas do Amaral se recuse a reformular a sua já célebre frase sobre a «compreensão», não admira, como tão-pouco a forma agressiva como se defende: «Não reformulava essa frase, apenas talvez a explicasse a quem não sabe aquilo que só os ignorantes podem ignorar.» Vai daí, os jovens do grupo parlamentar do CDS e o seu chefe de orquestra bradarem contra os insultos de que o parlamento e todos os deputados teriam sido alvo, numa generalização abusiva sobre quem poderia sentir-se tocado pelas palavras de Freitas do Amaral.
A ironia do caso deve-se ao facto de Ribeiro e Castro ter-se distanciado das tropelias do seu grupo parlamentar, afirmando: «Não sou chefe de bando, mas líder de um partido.» O que é a prova de que o líder e o resto da banda andam de pantanas.

13 março 2006

Apontamentos de economia 3

A guerra dos subsídios agrícolas e a CAP
O sr. João Machado, presidente CAP, já reivindica um novo ministro da Agricultura (Expresso, 11/03/06). A razão para uma espécie de «declaração de guerra», e que a CAP, em anúncio publicitário de página inteira, no mesmo jornal, intitula de «Ameaça ambiental», prende-se com isto: «muitos milhares de agricultores cumpriram as normas, estabeleceram compromissos, alteraram as práticas, fizeram investimentos, reduziram as produtividades, aumentaram os custos e foram fiscalizados pelas autoridades competentes». Aqui há do mesmo e do seu contrário: «reduziram a produtividade» e «aumentaram os custos»?! Como é que é possível ter esta duas coisas ao mesmo tempo, é que seria bom que fosse explicado. E João Machado fá-lo assim: «a política agrícola comum (PAC) prevê que os agricultores possam não produzir desde que cumpram as regras que estão definidas», e esclarece que a CAP esteve contra esta decisão de subsidiar a não produção, mas já que foi aprovado assim, então, as regras são para cumprir. Parece que não passa pela cabeça de João Machado que as regras sejam alteradas. Depois, parece-lhe natural que tudo assim seja, que, por enormidades inexplicáveis, se pague a agricultores para fazerem o contrário daquilo que é a natureza do seu trabalho, a de produzirem. Pagos para não produzirem! E a CAP reclama que o ministro queira acabar com esta situação, ou, pelo menos, não queira pagar tanto quanto os srs. agricultores acham justo pelo seu não trabalho. Provavelmente, esta até é uma guerra bem comprada pelo ministro.

12 março 2006

«Em legítima defesa!»?!

Júlio Magalhães («Em legítima defesa, DN, 10/03/06) parece despeitado de ninguém, nem o próprio Marcelo Rebelo de Sousa, lhe dar a ele e a José Carlos Castro o mérito de terem realizado o programa de comentário semanal na TVI, com aquele comentador, e que atingiu tanto sucesso. Júlio Magalhães constata que, agora, na RTP1, os «comentários de Marcelo e Vitorino fixaram-se pouco acima dos 22 por cento de share».
Júlio Magalhães argumenta que o «comentário em televisão é um género difícil», que «cauciona o comentador» e relega para segundo plano o papel do «jornalista/moderador», que, com a sua experiência, «deve saber ouvir» e ter um papel adequado, sem excesso. Assim, qual é o problema de Júlio Magalhães? Não pode ser o de lamentar-se, pois, o seu contributo para este tipo de comentários acabou. Ponto final. Aparecerão outros cenários, mas estes terminaram, e é preciso saber pôr um ponto final nas coisa que acabam. Magoa-o que não lhe reconheçam o mérito do seu programa com o professor Marcelo? Mas toda a gente reconheceu, a tal ponto que Júlio sabe das percentagens de share com que o seu programa, batia a concorrência!
O problema de Júlio Magalhães é outro: o de se saber, jornalisticamente falando, se aquele espaço de comentário do professor, era ou não uma entrevista, em que o jornalista tivesse a liberdade de pensar com a sua cabeça e contraditar o comentador. O que já é outra coisa. E aí, apesar do share, Júlio Magalhães sabe que aquilo que fazia bem era apresentar o telejornal das oito da noite…

11 março 2006

Não há valores?

A julgar por o que se passa noutras bandas e intramuros, não há de facto valores, pelo menos à primeira vista. A distribuição de certas quantias em dinheiro, para serem gastas em desporto e lazer, aos jovens ingleses mal comportados, para que mudem o seu comportamento e, dessa forma, não prejudiquem a sociedade, mostra-nos que vale tudo (e isso é um valor, «valer tudo»), sem pudor, para conseguir determinados objectivos, ainda que esses objectivos sejam socialmente aceitáveis e até recomendáveis. Mas precisamente por serem recomendáveis, o que se esperaria era que os jovens, os que pudessem, alterassem a sua conduta, e não que a sociedade que reclama do seu comportamento, como dever moral, comprasse a mudança desse mesmo comportamento. E o que é, aparentemente, paradoxal é que a sociedade utilize outro valor, o mais estimado de todos, o mais cobiçado, adorado, aquele que é motivo de desvio comportamental precisamente por parte de muitos e também dos jovens, o dinheiro, para obter o bom comportamento!
Naturalmente que é suposto que, a suportar tal iniciativa, exista um estudo, um relatório que prove que a relação custo-benefício é atingida com este «investimento», porque, senão, esta nem seria uma ideia para ser anunciada nos jornais. É que outro valor próprio dos tempos que vivemos, é o de que qualquer dinheiro público deve ser rentabilizado ao máximo, de preferência com lucro (ouro valor de que as pessoas tinham receio, ou vergonha, mas que agora volta a ser um valor pujante...), e que, qualquer desempenho que extravase a relação óptima de inputs-outputs, deve ser eliminada. Sejam esquadras da polícia, escolas, ou mesmo maternidades.
Não há valores? Há, sim senhor, mas novos, e velhos tornados novos e, ainda, novos que se tornaram velhos. Valores pós-modernos…

08 março 2006

Blair, Deus, a História e a invasão do Iraque

Blair terá dito que «Deus e a História julgarão a invasão do Iraque». A ideia com que se fica é a de que Blair continua a julgar que a invasão do Iraque estava justificada, que foi bem feita, que era imperiosa, que continha uma necessidade universal, e que, se alguém ainda tiver dúvidas, «Deus e a História» dissipá-las-ão, a seu tempo.
A falácia de Blair começa com o apelo à legitimação através de entidades superiores, Deus e a História, cujos desígnios o homem não conhece, mas que, tacteando e experimentando, lá vai descobrindo. Os homens cometem os mais perfeitos disparates, cometem as mais odiosas façanhas e Deus e a História julgam depois… Blair esquece-se que o Deus cristão manda pregar a paz e não a guerra. E que, sobretudo, Deus não deve ser invocado em vão, pois, o seu juízo diz respeito às acções de cada homem e, neste caso, Blair, pela sua decisão de invadir Iraque, está em maus lençóis. Na sua linguagem, Blair já está a perder aos olhos de Deus. É isso que o faz tentar anular ou adiar a culpa, atirando para um futuro sempre longínquo, o dia do juízo sobre a guerra do Iraque. Diz Blair, por outras palavras: «Calem-se, porque quem pode julgar-me é Deus e ele ainda não o fez, logo, porque serão os homens a fazê-lo?» Esperar o impossível julgamento de Deus para calar a crítica dos homens… Que fraco argumento Blair apresenta para esconder a sua incerteza e tapar a verdade, a de que a invasão do Iraque constitui a mais monstruosa mistificação do séc. XXI, construída à base das mais torpes mentiras e enganos.
Junto com Deus, Blair convoca também a História, que, julga ele, também o absolverá, o que é coerente, visto que a mesma má fé que procura a absolvição de Deus, procura-a naturalmente na História, algo mais à medida dos homens, apesar do seu não sei quê de incompreensível. Às vezes, é difícil descortinar o sentido da História, só que, desta vez e no caso concreto do Iraque, Blair mostra-se convicto da concordância das suas acções com o curso da mesma. O mais artificioso dos raciocínios está aqui presente: as suas acções estão de acordo com a vontade da História; como é que se sabe?; depois, no futuro - mais perto ou mais longe, de preferência quando Blair já não for primeiro-ministro -, ver-se-á… Quer dizer, nunca se verá, pelo menos a tempo de responsabilizá-lo politicamente, enquanto responsável de uma acção política, das últimas que, em princípio, qualquer político não gostaria de tomar, a de decidir promover a guerra noutro país. As palavras de Blair mostram, assim, uma atitude dilatória, uma atitude de quem não está bem com a sua consciência e que, amanhã, responderá como o chinês comunista que interrogado sobre os efeitos da revolução francesa na actualidade, respondia que ainda era cedo para se ver…
Por outro lado, ao juntar a História a Deus, Blair mais não faz do que seguir a cantilena hegeliana dos que julgam os desígnios de Deus pela História, pois, esta não é outra coisa senão a realização do espírito absoluto, isto é, Deus. Nesta perspectiva, Blair pode sujar à vontade as mãos de sangue que julgará sempre que a História, enquanto turbilhão de acontecimentos a fazer-se através de homens providenciais, lhe deu um papel especial a cumprir e, cego, tomará à letra as palavras de Hegel de que a História é uma espécie de rolo compressor que vai progredindo sem olhar a quem fica debaixo dele, como se Blair fosse um desses homens universais que a História constrói à sua medida para que a própria História possa ser feita.

06 março 2006

Manuais com certificação facultativa

O PSD propõe, em projecto de lei, que os manuais escolares sejam certificados facultativamente, aceitando, portanto, o princípio da certificação, mas «facultativa». Depois de tanta conversa à volta do assunto, depois do Conselho Nacional de Educação, devido ao clima pouco propício criado nos média à volta da censura estalinista sobre a produção de manuais escolares, ter decidido dizer não à certificação obrigatória, o melhor que o partido PSD consegue produzir é, manhosamente, parecer original e colocar-se no centro: nem proibição, nem sem proibição; é facultativo. O que mostra que quando um partido usa a massa cinzenta ao seu dispor, consegue de facto resultados extraordinários. Assim, com este projecto, o PSD contempla a liberdade daquelas editoras que tendo confiança absoluta na qualidade dos manuais que produziram, dispensam a certificação, colocando-se, deste modo, a concorrer neste mercado dos manuais com os produtos das outras editoras que, menos confiantes, recorreram à certificação para garantir oficialmente a qualidade do produto. Resultaria desta política que os senhores professores teriam de optar entre manuais certificados das editoras que acharam por bem certificá-los, e manuais não certificados que outras editoras acharam por bem não certificar. Ainda antes de escolherem os manuais para as suas disciplinas, os professores já teriam esta primeira selecção feita à volta da certificação e, portanto, a vida facilitada para a escolha dos manuais de entre aqueles que tivessem sido certificados. Nestas circunstâncias, qual será a editora que se atreveria a lançar manuais para as mãos dos srs. professores sem serem devidamente certificados?

05 março 2006

A compreensão segundo Freitas do Amaral

O sr. Ministro Freitas do Amaral, levou a sério, na A. R., a interpelação do CDS , julgando que para defender-se bastaria dizer mais do mesmo que já houvera dito. Saiu-lhe que as manifestações muçulmanas de protesto, dizem, contra as caricaturas de Maomé, que passavam, também, pela destruição de embaixadas e outros edifícios oficiais de países ocidentais, seriam «uma reacção condenável, mas compreensível, face às ofensas enormes feitas à comunidade islâmica por um jornal da extrema-direita dinamarquesa».
A «compreensão» não deveria obnubilar a «condenação», mas, no contexto do seu raciocínio, ao acrescentar uma pseudo justificação para a violência dos muçulmanos radicais, as «ofensas enormes feitas à comunidade islâmica», Freitas do Amaral mostra que, primeiro que tudo, quer atenuar e diluir a crítica à violência e fazer sobressair, em contrapartida, a «ofensa» para melhor «compreendê-la», o que, é o mesmo que justificá-la. O carácter «compreensível» da violência radical é a sua propriedade justificativa. É fácil deixar suposto, de forma implícita, que os verdadeiros culpados de tudo o que aconteceu não são senão alguns jornalistas e a própria liberdade de expressão. Calem-se uns, restrinja-se outra e estavam criadas as condições para que a violência dos radicais muçulmanos já não existisse.
Não existiria? Mas negar a existência da violência muçulmana, por si mesma (tal como a violência ocidental), seria negar a violência de Nova Iorque, de Londres, de Madrid, etc, que eclodiu sem que houvesse um pretexto imediato para a sua manifestação. Quer dizer que a suposição de que a violência dos fanáticos islâmicos seria apenas um efeito e nunca uma causa, leva-nos a concluir que, sendo assim, respondendo a uma provocação – qualquer que ela seja – a violência está justificada e é perfeitamente «compreensível». O que é uma mistificação grosseira do sr. ministro Freitas do Amaral. O desígnio da paz não pode esconder o estado de quase guerra, mesmo que sob a forma de violência «compreensível».

04 março 2006

Voto a partir dos 16 anos?

Gordon Brown, ministro das Finanças do partido Trabalhista britânico, defendeu que a idade de voto passasse para os 16 anos. À medida que as sociedades desenvolvidas descem a idade para poderem, quando necessário, responsabilizar criminalmente os jovens, julga-se que, em correspondência, se deve baixar, também, a idade em que os jovens podem participar nas eleições, como se este novo poder juvenil, o direito de voto, pudesse arrancar a atenção dos jovens à frivolidade e ao hedonismo, e lhes desse outra consciência cívica e outra responsabilidade. Mais uma espécie de prémio a cair do céu sem que para tanto os jovens tenham mexido uma palha, nem tenham inscrito tal prerrogativa no seu caderno de encargos… O problema que esta intenção levanta é se a qualidade da democracia melhora, ou se, pelo contrário, sai diminuída. É grande a tentação de responder à questão com a ideia de que a participação dos jovens é um valor acrescentado à democracia. A cautela manda que se pergunte: com que jovens?