18 março 2006

Acima de qualquer suspeita

O ministro dos Assuntos Parlamentares queixa-se, em carta ao director do jornal Público, de 17/03/06, que a sua entrevista, publicada a 13 deste mês, foi «editada» de tal maneira que inseriram «transcrições erradas do que afirma o entrevistado». Augusto Santos Silva apresenta quatro exemplos concretos da acusação que faz ao jornal. O director do jornal, em resposta, argumenta: a de Augusto Santos Silva foi a primeira reclamação, em mais de 150 entrevistas, pelo que, deixa a entender, não é significativo…; sobre o «conteúdo dos protestos», o sr. director acha que quem deve julgar se Augusto Santos Silva tem ou não razão, são os leitores, eximindo-se, por um lado, à sua responsabilidade, e, por outro, atribuindo aos leitores a responsabilidade de julgarem aquilo que ele fez…; quanto aos exemplos apresentados pelo entrevistado, o sr. director julga que aqueles o «deixam de consciência tranquila», justificando-se pela «condensação» da entrevista, «indispensável à sua inteligibilidade», e passa a explicar como é que se faz essa «condensação», de modo a garantir que, de «40 mil caracteres» se passe para os publicados «13 mil»: «cortar as repetições»; «comprimir as perguntas dos entrevistadores»; «retirar a retórica verbal conservando o essencial das respostas», mas sempre de forma «fiel ao pensamento do entrevistado»
O que torna esta explicação do director do Público, exaustiva e sui generis, é que ela não adianta nada em termos do que é reclamado pelo entrevistado, declinando, ainda por cima, neste, a responsabilidade de tudo, até porque, acrescenta o sr. director, «o ministro não terá gostado da forma como lhe correu a entrevista»! Quer dizer: o ministro vê a sua entrevista truncada, recortada, resumida aqui e ali, por isso reclama, e a resposta é a de que o problema é… dele!
Poderia ser de outra maneira? Poderia ser que alguma passagem da entrevista tivesse sido mais truncada do que o necessário para apreender-lhe o sentido? Poderia ser que certa passagem estava a ser citada fora do contexto e, assim, a adquirir outro sentido que não o original? Poderia ser que, mesmo sem querer, outra afirmação fosse cortada de forma intempestiva, porque considerada de menor importância? Os srs. jornalistas não cometem erros desses. Os srs. jornalistas podem censurar os textos que julgam dever publicar? Os srs. jornalistas podem deturpar voluntariamente o sentido dos textos publicados? Os srs. jornalistas nunca têm intenções dessas. Os srs. jornalistas são só profissionais acima de qualquer suspeita. Todos. Eis a lição do sr. director.