08 março 2006

Blair, Deus, a História e a invasão do Iraque

Blair terá dito que «Deus e a História julgarão a invasão do Iraque». A ideia com que se fica é a de que Blair continua a julgar que a invasão do Iraque estava justificada, que foi bem feita, que era imperiosa, que continha uma necessidade universal, e que, se alguém ainda tiver dúvidas, «Deus e a História» dissipá-las-ão, a seu tempo.
A falácia de Blair começa com o apelo à legitimação através de entidades superiores, Deus e a História, cujos desígnios o homem não conhece, mas que, tacteando e experimentando, lá vai descobrindo. Os homens cometem os mais perfeitos disparates, cometem as mais odiosas façanhas e Deus e a História julgam depois… Blair esquece-se que o Deus cristão manda pregar a paz e não a guerra. E que, sobretudo, Deus não deve ser invocado em vão, pois, o seu juízo diz respeito às acções de cada homem e, neste caso, Blair, pela sua decisão de invadir Iraque, está em maus lençóis. Na sua linguagem, Blair já está a perder aos olhos de Deus. É isso que o faz tentar anular ou adiar a culpa, atirando para um futuro sempre longínquo, o dia do juízo sobre a guerra do Iraque. Diz Blair, por outras palavras: «Calem-se, porque quem pode julgar-me é Deus e ele ainda não o fez, logo, porque serão os homens a fazê-lo?» Esperar o impossível julgamento de Deus para calar a crítica dos homens… Que fraco argumento Blair apresenta para esconder a sua incerteza e tapar a verdade, a de que a invasão do Iraque constitui a mais monstruosa mistificação do séc. XXI, construída à base das mais torpes mentiras e enganos.
Junto com Deus, Blair convoca também a História, que, julga ele, também o absolverá, o que é coerente, visto que a mesma má fé que procura a absolvição de Deus, procura-a naturalmente na História, algo mais à medida dos homens, apesar do seu não sei quê de incompreensível. Às vezes, é difícil descortinar o sentido da História, só que, desta vez e no caso concreto do Iraque, Blair mostra-se convicto da concordância das suas acções com o curso da mesma. O mais artificioso dos raciocínios está aqui presente: as suas acções estão de acordo com a vontade da História; como é que se sabe?; depois, no futuro - mais perto ou mais longe, de preferência quando Blair já não for primeiro-ministro -, ver-se-á… Quer dizer, nunca se verá, pelo menos a tempo de responsabilizá-lo politicamente, enquanto responsável de uma acção política, das últimas que, em princípio, qualquer político não gostaria de tomar, a de decidir promover a guerra noutro país. As palavras de Blair mostram, assim, uma atitude dilatória, uma atitude de quem não está bem com a sua consciência e que, amanhã, responderá como o chinês comunista que interrogado sobre os efeitos da revolução francesa na actualidade, respondia que ainda era cedo para se ver…
Por outro lado, ao juntar a História a Deus, Blair mais não faz do que seguir a cantilena hegeliana dos que julgam os desígnios de Deus pela História, pois, esta não é outra coisa senão a realização do espírito absoluto, isto é, Deus. Nesta perspectiva, Blair pode sujar à vontade as mãos de sangue que julgará sempre que a História, enquanto turbilhão de acontecimentos a fazer-se através de homens providenciais, lhe deu um papel especial a cumprir e, cego, tomará à letra as palavras de Hegel de que a História é uma espécie de rolo compressor que vai progredindo sem olhar a quem fica debaixo dele, como se Blair fosse um desses homens universais que a História constrói à sua medida para que a própria História possa ser feita.