15 fevereiro 2006

O riso dos Deuses

De Frei Bento, em «O Humor sumiu-se» (Público, 12/02/06), resulta a ideia da impossibilidade divina do riso. Diz Frei Bento:
Se o riso é próprio do homem, que se passará com Deus? Já por si, esta interrogação parece blasfema. Deus não ri e é pecado rir de Deus: "Graças a Deus muitas, graças com Deus poucas."
No entanto, nunca Lhe faltaram ocasiões para se rir. Mas por uma espécie de mistura de respeito, de decência e de medo é suposto que Deus ou Yavé, ou Alá, ou o Absoluto ou o Eterno ou o completamente Outro... é alguém sisudo, grave e ameaçador. Rir é que não ri. Seja crente ou descrente, nenhum pintor ou escultor ousou imaginá-lo nesse despropósito.

Ora, existiu um senhor que não tinha problemas em rir com os deuses, ou mesmo rir deles. Até descobriu que eles se riam entre si, e de coisas sérias. Esse senhor era Nietzsche que, em Assim Falava Zaratustra, conta esta história:
Os antigos deuses acabaram mesmo há muito; e, em verdade, tiveram um fim bom, alegre, próprio de deuses!
Não se acabaram como um crepúsculo, até à morte – isso é perfeitamente mentira! Pelo contrário, um dia morreram… de riso!
Isso aconteceu quando a expressão mais ímpia emanou de um dos próprios deuses, ou seja: “Há um só Deus! Não terás outro Deus, além de mim!”
Um velho barbaças de um deus, um ciumento, descomediu-se a esse ponto. E, então, todos os deuses se riram, oscilaram nas suas cadeiras e exclamaram: “Não consiste precisamente a divindade em haver deuses, mas não um Deus?”