27 junho 2007

A droga segundo Daniel Sampaio e J. Gray

Num artigo, “os Novos Dependentes» (17/06/07), dramático e alarmista, Daniel Sampaio, depois de constatar o alastramento do consumo de drogas, por um lado, e por outro, verificar que cada vez mais as sociedades se habituam a isso sem reagirem, enumera alguns factores que contribuem para os actuais níveis de consumo e de aceitação social (que vão desde a falta de reflexão, mais prazer, melhor sexo, mais energia para o trabalho e até para aguentar o chefe), e coloca assim o problema:
«A questão que interessa colocar é: por que razão as pessoas procuram cada vez mais a turvação da consciência, a «adrenalina», o sexo sem compromisso, o prazer sem limites? Por que motivo uma droga perigosa como a cocaína vive agora em alta? Tenho tendência em considerar que uma das causas principais reside numa verdade simples de enunciar: viver é violento e educar para suportar a vida é cada vez mais difícil, por isso vamos viver o momento, uma hora de cada vez, depois se verá.»
Em contrapartida, a ideia de John Gray, Sobre Humanos e Outros Animais, é a de que sempre existiu, nos seres humanos e nos animais, a necessidade de se distraírem para além da consciência da realidade tal como ela lhes aparece. Diz ele, que «forjar a aparência das coisas conhecidas através do uso de drogas é uma das vocações persistentes da humanidade». Mesmo os animais vivendo em estando de abundância podem procurar mais longe um determinado fruto cuja ingestão causa estados de intoxicação. E cita Eugene Marais: «O uso costumado de venenos com o propósito de se alcançar um estado eufórico – um sentimento de bem-estar mental ou de felicidade – é um remédio universal para a dor da consciência.» Esta é uma conclusão, a do «remédio universal contra a dor da consciência», diz Gray, que respeita a animais e a homens, à consciência e à necessidade de lhe escapar. A igreja combate a «dureza da vida» prometendo a salvação. Os iluministas prometem a felicidade para toda a gente num futuro próximo. Até lá, é preciso viver, e seja porque é necessário enfrentar a «dureza da vida», ou seja, como diz Sampaio, porque «viver é violento», a verdade é, diz Gray, que «o uso da droga é uma admissão tácita de uma verdade proibida. A felicidade está fora do alcance da maior parte das pessoas. A realização plena não se consegue na vida de todos os dias, mas fugindo-lhe. Uma vez que a felicidade é inacessível, a massa da humanidade procura o prazer.»
Na droga, segundo Gray. Mas felizmente que existem, hoje, outras possibilidades de fuga à consciência, como o circo à escala da vida humana: o circo político e eleitoral, o circo televisivo, o circo do futebol. Todos eles são considerados não perigosos e são amplamente aceites e estimulados. Até mesmo o circo da arte contemporânea em Portugal é um bom paliativo para a rudeza da vida…

20 junho 2007

Jornalismo de sarjeta e Ministério da Educação (II)

Primeiro, o contexto: «porque nos tornámos, realmente, num país de bananas onde cada vez menos fazem frente ao candidato a autocrata que manda neste país». Isto é outra versão da vulgar expressão «República das bananas», dita de outro modo, e que costuma ser aplicada ao que se passa, por exemplo, na Madeira. Segundo, a afirmação («Somos governados por uma cambada de vigaristas e o chefe deles todos é um filho da p…») que originou suspensões, inquéritos, etc., tem de ser vista num contexto português, se não, o que se «teria de agir como em Portugal se age contra quem diz o que lhe vai na alma, ao gritar numa bancada, a propósito da mãe de um árbitro (em que país viverá ela, senhores…)». Chegados aqui, estamos ao nível do futebolês (aquele conjunto de ideias, de lógica, comportamentos, atitudes, linguagem, etc., próprias do mundo do futebol), onde como se sabe, e o autor sabe, insultar a «mãe de um árbitro» é a coisa mais banal deste mundo, e se assim é, porque será pecadilho alguém insultar a mãe do primeiro-ministro ao chamar-lhe «filho da p…»?! Razões para não se levar a mal? Responde o autor do texto que gostaria de conhecer «um só português que não tenha dito algo de semelhante nos últimos 30 anos de democracia». Ora, se cada um, em «democJornalismo de sarjeta e Ministério da Educação (II)racia», alguma vez cometeu este pecadilho, porque seria estranho mais um insulto, também em democracia? A democracia, não quererá dizer o autor, não é precisamente a capacidade de todos se insultarem democraticamente sem terem de ir para a prisão? Esta outra falácia de «apelo ao povo» é bastante significativa pelo que tem de democrática: se serve para todos, porque não há de servir para mais um? Afinal, diz o povo, «ou comem todos ou ninguém come»…
O autor do texto termina-o explicitando «um padrão de actuação política» de que a actuação do ministério da educação seria o paradigma: «o lugar dos boys e das girls que, na sua arrogância de vilões a quem puseram o pau na mão, têm levado a Educação do país ao estado em que ela está.» Não fica claro se o autor prefere substituir o corriqueiro «filhos da p…» pelo eventualmente menos gravoso «vilões», mas dá para se perceber, quer seja uma ou outra a preferência, que decididamente, ele alinha pelo nível daqueles professores que, impotentes, substituíram a crítica pelo ataque pessoal. Tanto assim é que, neste momento, este autor, que foi - recorde-se - um intransigente defensor da actual ministra da educação quando esta tomou conta do rumo da educação como a conhecemos, agora alinha pelo mesmo diapasão dos sindicatos - os mesmos que o autor deste texto responsabilizou pelo estado a que a educação tinha chegado -, particularmente, da Frenprof, cujo chefe pede a demissão da ministra. O autor do texto apenas afirma: «O tempo da ministra acabou». Quem diria que eram tão inimigos?
O texto em apreço saiu na imprensa da semana passada.

18 junho 2007

Jornalismo de sarjeta e Ministério da Educação (I)

Pela Internet correm as mais duras críticas ao actual governo, à ministra da educação e ao primeiro-ministro, porventura só comparáveis às críticas do governo de Santana Lopes e à sua própria figura. Mas separam estas críticas um tom que é a substância: Santana Lopes era criticado enquanto gozado, era o bobo da festa, a política e um político elevados à mais pura comédia, ele concentrava em si a matéria-prima ideal para qualquer caricaturista, fonte inesgotável de gozo, de piadas, um manancial riquíssimo para o anedotário nacional; Sócrates presta-se também a este anedotário, mas o ponto de partida é diferente e o leque mais variado, pois, não só ele é bombo da festa, mas vários dos seus ministros, de Mário Lino a Maria de Lurdes, passando pelo da economia, Manuel Pinho. A outra diferença é a de que enquanto Santana era gozado, Sócrates e os seus ministros são insultados, e de entre estes, ressalta, na Internet, o que sobre ela, a ministra da educação, corre. Agora, as críticas, as anedotas, as caricaturas, as fotomontagens, os textos, são agressivos, insultuosos, a crítica passou a ser rasca, brejeira, semelhante a qualquer arroto que qualquer grunho desfere de forma selvagem.
Tem sentido, por outro lado, que a crítica à ministra da educação seja proveniente, na sua maioria, de professores e dos seus sindicatos. Compreendem-se as razões. A ministra dobrou os sindicatos dos professores, a ministra fez um estatuto da carreira docente se não contra eles, pelo menos ao lado deles, indiferente às suas reivindicações, desejos e manifestações. Mas nesta cavalgada para tomar de assalto o ministério, escorraçar os professores, manietá-los numa carreira, diminuir-lhes ainda mais o seu estatuto social e transformá-los nuns funcionários públicos simplórios que por acaso têm a missão de educarem, é «natural» que sejam os próprios professores que mais se empertiguem contra a ministra, que mais a critiquem, que mais ponham em causa as suas políticas, que sejam os maiores fautores da crítica radical de um sistema de ensino que julgam ser mau ou péssimo no actual estado das coisas. Agora, não é admissível, de modo algum, que as críticas que os professores fazem, por exemplo, nos textos e fotomontagens que correm na Internet, sejam do mais insultuoso que se possa imaginar, isto é, de uma perspectiva que nada tem a ver com a tal dignidade da profissão que é a de serem professores. Uma coisa é a crítica, outra o insulto. Uma coisa é a crítica justa, correcta, com argumentos, em que se diz que não se concorda com isto e com aquilo, porque causa disto e daquilo, outra coisa é o ataque ad hominem, o puro ataque pessoal visando denegrir a pessoa, já que não se consegue atacar a política. Infelizmente, na Internet correm este último tipo de ataques pessoais.
Mas também há na imprensa escrita quem se dê ao luxo de imitar este tipo de «críticas», mesmo entrando num processo de incoerência, no que respeita à ministra da educação. As linhas que se seguem são tiradas de um texto de alguém (adivinhe-se) com responsabilidades públicas e que sempre apoiou as medidas desta ministra, sobretudo, quando visavam os professores. (Continua.)

16 junho 2007

As mudanças do ‘The Wall Street Journal’

No ‘DN’ (15/06) refere-se a «nova mudança organizacional» do ‘‘The Wall Street Journal’, apontando a situação em que a nova estrutura contemplará a integração do noticiário impresso e do online. Para além dos aspectos curiosos sobre a possibilidade desta reestruturação obedecer a critérios de rendibilidade, que permitirão preparar a venda do jornal, salienta-se o aumento do preço de 50% no seu preço de capa, o que não é qualquer aumento mitigado, mas um aumento sério, duro mesmo. Já se antevê o que virá a seguir: redistribuição de tarefas, jornalistas a mais, despedimentos, etc. Nada de extraordinário, como o pode comprovar o jornal que, no caso português, de ‘Público’ passou a ‘P’, mudou o grafismo graças a um designer britânico, reduziu alguma da informação impressa ao nível da produzida nos jornais gratuitos, e institucionalizou o perfil do seu «leitor» como um «navegador», aquele que «lê» tanto a versão em papel como a digital, e passa de uma para outra como quem «navega» na Internet passando de imagem a imagem e de conteúdo a conteúdo.
O que destoa no meio destas grandes viragens nos órgãos de comunicação de massas, é a de, por um lado, no que respeita aos jornais, apregoar-se a sua rápida extinção - do que resulta a necessidade premente da sua súbita conversão -, e, por outro, difundir-se exactamente o seu oposto, o seu crescimento em alguns países - do que resulta não tanto a necessidade de celebrar exéquias, mas a de adaptar toda a indústria a novos paradigmas, do design à «navegabilidade». Quer de um ponto de vista quer de outro, o resultado vai parar ao mesmo, à moda da mudança e da padronização pelo nível mais vendável, pois, do que se trata, no que respeita ao investimento, é do retorno do capital, e neste aspecto, não é propriamente a qualidade que tem a última palavra, mas o poder de atracção que um jornal pode ter junto do público «consumidor» que o paga.
Ora, esta atracção continua a ser postulada da mesma forma tradicional que qualquer outro produto, consoante a moda e obedecendo ao velho critério de que tudo se vende, desde que existam compradores. Hoje, é a moda do design, concebido como a quinta-essência de qualquer negócio, bem como o critério de que vale tudo para conseguir a adesão do público consumidor, e que este, por uma razão ou por outra, há-de sempre submeter-se aos ditames da lei do marketing. Supor-se outros critérios, supor-se que um jornal se faz para um determinado público e que só a esse deve prestar contas e submeter-se, já sai da bitola dos manuais. Supor-se que a esse público o jornal deve a qualidade que o fez tornar-se um objecto de consumo imprescindível, e que praticamente nada deve tocar nessa relação tácita entre jornal e público, a não ser o que decorre da sedimentação sempre renovada dessa relação, é injusto para a moda e para os cânones da mudança a todo o custo. Supor-se que a garantia da qualidade - e do retorno do investimento - pode requerer um aumento substancial do preço (o do ‘Wall Street’ é de 50%!) a que o consumidor está habituado a pagar para ter o jornal que reconhece como «seu», é sempre visto como um mal maior a que se recorre quando a concorrência parece alinhar pelo mesmo diapasão. Supor-se que esta sociedade anónima, que ajuda a produzir e a consumir um jornal, tem de assimilar-se a um povo como se este fosse todo ele feito da mesma matéria e qualidade, seria a mesma coisa que pensar-se que, pelo facto de os jornais andarem todos a proceder às suas reestruturações, ficando cada vez mais iguais entre si, também o «leitor» seria uma categoria universal igual em todo o lado, da primeira à última página do jornal, com uma forma indistinta de leitura, e, em última análise, incapaz de discernir sobre o tipo de jornal que prefere, seduzido, como é «natural» que se pense, pela eficácia dos condicionalismos exteriores ao próprio jornal.
Que a qualidade de um jornal diário seja paga por um público exigente disponível para tal, é algo que ainda falta concretizar. Ao invés, fazer passar uma coisa disforme, igual a tantas outras que assim obtêm forma, pela qualidade de conteúdos de referência, é assunto de moda. Em casos específicos, trata-se de uma questão de bolsa.

08 junho 2007

Notas entretanto ultrapassadas

1. O sr. Provedor do jornal ‘P’ não deverá ficar a aquecer o lugar durante muito tempo. A forma como exerce o seu cargo, com perfeita autonomia e com a autoridade de quem se encontra bem informado e por dentro dos bastidores do jornalismo, permite-lhe dar raspanetes aos jornalistas e ao ‘P’, que, por vezes, tornam-no no primeiro e mais autêntico crítico dessa obra de referência em que pouco a pouco o jornal se tem tornado. Quanto tempo resistirá?
2. O Ministério da Educação diz que irá encerrar 900 escolas e não 1300 como foi divulgado. O truque retórico funciona para quem estiver desprevenido: primeiro, quando se passa de 1300 para 900, passa-se a discutir a diferença de números em vez de se discutir o mais importante que é o sentido e as razões do encerramento de um número apreciável de escolas, sejam 900 ou 1300; segundo, aquele que tem sido o mais utilizado truque deste governo desde que entrou em funções, e que consiste em apresentar as suas medidas, provindas não se sabe aparentemente de onde, com o pior cenário possível (neste caso, encerrar 1300 escolas) para, depois de manifestadas as reacções geralmente negativas sobre tamanho exagero, emendar a mão e aparecer, qual paladino, a garantir que nunca essa hipótese tinha sido levantada, ou se o foi, foi mal interpretada, e que o governo tem perfeita consciência das dificuldades, blá, blá…, e, portanto, o número correcto é aquele, o de 900 escolas e não aquele, o de 1300, que a oposição tão levianamente atirou para confundir a opinião pública. Grande sentido do uso da Retórica, demagogia a granel e controlo profissional da relação com os média, quando não goza ou usa da sua cumplicidade
3. O camelo da JSD parece ter sido uma brincadeira de mau gosto como resposta à linguagem desabrida do Ministro Mário Lino. Pelo que indicia, pela sua esperteza subtil e simbolismo bacoco, não há dúvidas acerca da superior formação que as novas gerações que se preparam para tomarem o poder são portadoras.