31 dezembro 2007

O PP do Paquistão

No Paquistão, Benazir Bhutto é assassinada e para ocupar o seu lugar de dirigente do PPP (Partido do Povo Paquistanês) aparece o seu marido, Asif Ali Zardari. Mas esta sucessão é apenas transitória, porque a verdadeira sucessão far-se-á de mãe para filho. Só que, entretanto, o filho, Bilawal Bhutto, tem 19 anos e acabou de entrar em Oxford, pelo que, até acabar o curso de Direito, o pai governa o partido e, se for caso disso, governará também o país. O que pode parecer estranho é que Benazir, assassinada, herdara o partido do pai de forma dinástica, e, segundo parece, legou, por «testamento», o partido ao filho. Que o marido da defunta surja pelo meio, é meramente acidental. O mais importante é verificar que, por consequência e estruturalmente, o PPP é uma organização dinástica a lutar pela «democracia» à maneira do Paquistão: a oligarquia militar, no poder, vê-se confrontada com outra oligarquia, aristocrática. A ditadura dos militares, com o apoio dos EUA, tinha a missão de levar de vencida a luta contra os talibãs e os extremistas islamitas, ou pelo menos contê-los. A oligarquia aristocrática do PPP tem como missão desenvolver a «democracia» no Paquistão. Em que é que isto se aproxima dos EUA? Hillary Clinton quer substituir G. Bush, que substituiu o pai depois de Clinton ter vencido este, sempre em democracia… Há, nestes processos de sucessão, um cheiro a esturro que não dignifica a democracia… nem a família. A família da oligarquia no poder. No Paquistão, nos EUA… Em comparação, a oligarquia russa de Putin parece um conjunto em estágio. Pelo menos ainda não iniciou uma nova guerra. Até ver.

24 dezembro 2007

Mártires judeus e outros

«Mas não separaremos os mártires judeus de todos os outros mártires da barbárie.» (Edgar Morin)

04 dezembro 2007

A Singapura madeirense ou a impossibilidade do sonho (II)

Ora, é disto que fala João Carlos Gouveia? Obviamente que não. João Carlos Gouveia está, agora, a descobrir a autonomia, ao assumir uma posição de defesa da autoridade policial e judicial para melhor garantir o funcionamento do regime, mas expurgando-o da ilicitude, da corrupção e dos excessos de anomalias que tornam pouco transparente o funcionamento da sociedade madeirense. O que João Carlos Gouveia defende é o controlo do sorvedouro das contas públicas da Região, é que o conjunto do desenvolvimento económico e financeiro seja feito com o máximo de transparência de modo a evitarem-se os desperdícios e os aproveitamentos abusivos, sem que tal política constitua uma alteração significativa do que tem sido a política económica do actual governo regional de Alberto João. Mais do que uma diferença de substância, trata-se de uma diferença de pormenor. Ao despesismo opor o controlo. À fraude opor o rigor. À corrupção opor o direito e a penalização judicial. Às obras faraónicas opor a realização contida das obras justas de acordo com a contenção que a interpretação do politicamente correcto da vontade popular permite e legitima. O que, na realidade, João Carlos Gouveia não quer é o regime político que o impede de disputar de igual para igual o poder com Alberto João. O que João Carlos Gouveia sabe é que enquanto os mecanismos de conservação de poder, tecidos ao longo do tempo por Alberto João Jardim na sociedade madeirense, e constituídos, a maior parte das vezes e para além dos casos evidentes de fraude e de corrupção, por aquilo que muitas vezes não é demonstrável nem palpável, mas que toda a gente sabe que existe porque faz parte da cultura instituída, faz parte dos hábitos e das tradições, faz parte do relacionamento instalado entre as pessoas de forma informal, mas que urde uma verdadeira teia formalizada de funcionamento de uma sociedade pequena como a da Madeira: os pequenos favores e as dependências geradas, o jogo de influências, as cunhas, os conhecimentos… Um poder construído sobre este lajedo e da estirpe do de Alberto João, auxiliado pelo tal jogo pouco democrático à moda de Singapura – na medida em que os partidos da oposição são insignificantes e que uma das maneiras de anular a acção dos oposicionistas é processá-los judicialmente – é, na verdade, uma dor de cabeça para o partido Socialista da Madeira e do seu dirigente João Carlos Gouveia. O que não lhe deve, em contrapartida, fazer não desejar ter os seus próprios sonhos. Afinal, a grande diferença é que um pode sonhar os seus próprios sonhos e acha legítimo tê-los. O outro limita-se a não querer que ele sonhe…

03 dezembro 2007

A Singapura madeirense ou a impossibilidade do sonho (I)

O líder do PS-Madeira voltou a criticar o chefe do governo madeirense por este pretender copiar o modelo de Singapura para a Madeira. Segundo ele, o «sonho», o «ideal» de Alberto João passaria por essa transformação da Madeira numa espécie de Singapura do Atlântico. O que não é perceptível da crítica de João Carlos Gouveia, é se ele critica o modelo singapuriano em conjunto, ou se distingue pelo menos dois níveis que um observador atento pode e deve fazer. De facto, Singapura é apresentada segundo dois aspectos que aparentemente são contraditórios e que, no entanto, poderão ser vistos na sua interdependência e como o prolongamento de um em relação ao outro. Por um lado, Singapura é apresentado como um exemplo de modernização de um país asiático, como exemplo de desenvolvimento económico invejável, e como exemplo de integração de diferentes povos com índices de educação e cultura notáveis em comparação com os países vizinhos. Por outro lado, o regime político de Singapura, que contempla o sufrágio compulsivo a partir dos 21 anos de idade, é tido por algumas organizações um regime autoritário que, apesar de permitir a oposição, a reduz à insignificância de tal modo que não há receio de o partido do governo, o Partido da Acção Popular, de Lee Hsien Loong, ver-se arredado do poder, a tal ponto que nas últimas eleições foi considerado por alguns comentadores que se o partido tivesse menos de 61% de votos, isso seria sinal do seu declínio…
Portanto, quer quando Alberto João aponta o seu sonho de transformar a Madeira numa Singapura do Atlântico, quer quando Carlos Gouveia critica esse «ideal», é necessário saber do que ambos falam, e provavelmente não estão a falar da mesma coisa, ou no mínimo, com o mesmo propósito. É que do ponto de vista de Alberto João, o regime político que o catapultou para chefe de governo regional, esse regime que o pôs na posição de intérprete da vontade popular que ele alimenta através do seu populismo, da sua demagogia, das suas ameaças chantagistas, das suas políticas muito pouco democráticas, é o melhor dos possíveis porque lhe permite perpetuar-se no poder, democraticamente, apesar violar as regras do próprio jogo democrático, nomeadamente o princípio republicano da substituição dos cidadãos após cumprimento do dever cívico do exercício de um cargo para que foi mandatado. Não tendo tido a capacidade de sair da politiquice regional, Alberto João deixou-se aprisionar pelo sistema que criou e tornou-se escravo do seu próprio papel. Mas como o assume com o provincianismo de quem governa o mundo a partir da sua cadeira de vime, e porque sabe que a sua vontade é uma ordem e que o seu estatuto é intocável, o sistema de Singapura é para ele, não uma cópia mas uma imitação. O que ele quer na verdade copiar é outra coisa, é o sistema produtivo, é a geografia capitalista da mão-de-obra qualificada e o investimento financeiro nas indústrias de ponta da informação e da comunicação. Um regime politicamente musculado de fachada democrática, já ele tem. Falta o capital e o desenvolvimento.