29 setembro 2007

A loucura de Santana e os media


«Este episódio não deve ser visto pelo lado do preconceito que uma grande parte do País hoje cultiva em relação ao protagonista. Deve ser registado como uma atitude que faz sentido e merece respeito. (Editorial do DN, não assinado)
Nesta frase, a ideia de que o episódio de Santana Lopes na SIC-Notícias «faz sentido e merece respeito» só aparentemente é elogiosa porque fica envenenada pela lembrança do «preconceito que uma grande parte do País [qual fatia?] hoje cultiva em relação ao protagonista». E esta lógica é tanto mais simplista quanto esquece que a comunicação social é também responsável por esse «preconceito», ao alimentar a figura mediática de Santana e ao deixar-se alimentar por ele, numa troca recíproca que ambos aceitavam como sendo mutuamente agradável e favorável. Por isso, parece que nos media ninguém se lembrou de pôr a hipótese de que, já que Santana Lopes anda a reciclar-se politicamente, começando por fazer um tirocínio profissional – o que impedirá que algum crítico lhe atire à cara que nunca trabalhou na sua vida e que apenas foi um carreirista partidário –, talvez ele já não esteja, de igual modo, virado para continuar a ser o bombo da festa da comunicação social.
De qualquer forma, quando a tónica é colocada na surpresa que Santana Lopes provocou, os mesmos media sabem que deslocam desta maneira o problema de a sua prática violentar, por vezes, quer o público quer os intervenientes a que recorrem, sobretudo, quando estes são usados de forma instrumental para fins que não são os de uma «linha editorial» séria e criteriosa, mas de rapina, de enchimento e de repetição dos piores tiques que grassam por todos os media e de que a SIC-Notícias não é excepção. O pior de tudo, é que os responsáveis, da imprensa escrita às televisões, julgam sempre que as suas posições rascas são devidamente justificadas pela «linha editorial» ou pela liberdade a que a «linha editorial» lhes presta. Depois, é fácil transformar uma reacção normalíssima num acto de loucura corajosa, o mesmo é dizer, transformar o contra-acontecimento no próprio acontecimento que passa a merecer tratamento especial… E lá vem a questão: qual é o milagre que alguns jornalistas não são capazes de produzir?

23 setembro 2007

Como escolher o chefe do PSD?

Se os dois candidatos têm assim tão grandes pecados e tão pequenas virtudes, sendo que um deles é menos virtuoso que o outro e este, mesmo assim, tão falho de méritos que nem é grande coisa, como é que se escolhe nas eleições do «partido mais português» (expressão que prima pela ideia de nele caber tudo – coisa em que todos estão de acordo – e, por consequência, uns mandarem mais do que outros – o que nem todos vêem e sentem…) de Portugal? Simples. Sem ter em conta o princípio do mal menor – como se fosse possível escapar-lhe! – opta-se pelo candidato que tem sido o menos mau dos dois e fecha-se os olhos a qualquer outro que poderia ter sido mas não foi. Os que não estão não fazem falta e a lógica partidária é implacável na obrigação do cumprimento do ritual da escolha do chefe. Então, que seja um que se conheça o suficiente para não surpreender e espantar mais do que aquele que já está. Consequentemente, a opção feita nem é sintomática de nada, nem pretende ser. Mesmo que quem assim pense seja apenas um dos que têm em mãos o novo programa do partido, escolhido por aquele que merece a sua opção. Quem quererá ver nesta opção de voto tão cristalina mais do que a verticalidade de posições e a isenção nos princípios?!

20 setembro 2007

A «reforma» do ensino na Venezuela de Hugo Chávez

Segundo parece, o actual governo venezuelano não está por menos: «substituir a escala de valores capitalistas por outra centrada no ser humano (…) e transcender o colonialismo eurocentrista». A ideia até nem parece má, uma educação «centrada no ser humano» em vez de, por exemplo, no dinheiro, ou na guerra, tem sentido, ou faz sentido. Mas a base que deve sustentar essa mudança é de outra ordem: em vez de figuras de conquistadores e de colonialistas, interessará a «essência indígena, afro-americana, mestiça e pluricultural». Trata-se de dar mais valor à prata da casa do que aos ídolos importados e à cultura provinda de países imperialistas. Trata-se de inculcar os quatro valores bolivarianos: «aprender a criar, aprender a participar e a conviver, aprender a valorizar e aprender a reflectir». Ora, vistas bem as coisas, este conjunto de princípios é por si só inócuo, e não será por isso e por Chávez pretender criar uma «ideologia» de raiz que haverá algo parecido com o problema que merece a crítica da oposição: o de estarem a «inocular» o «vírus do comunismo» nas criancinhas. Ora, os portugueses até aprenderam que os comunistas comiam-nas ao pequeno-almoço, mas nunca apanharam nenhum em flagrante delito…
Por outro lado, criar uma espécie de educação tão indiferente à concepção cosmopolita do mundo, obrigará Chávez a fechar a Venezuela para obras, isolando o país das influências «malignas». Pior ainda, obrigará a Chávez a criar uma outra economia original de modo a não ser contagiado pela economia capitalista que grassa por todo o mundo, incluindo na China comunista! Mais grave ainda, aqueles quatro pilares da educação bolivariana podem ser adoptados como fundamento para o ensino de humanidades e coisas afins, recriando uma espécie de «eduquês» à venezuelana que não deixará, com certeza, de merecer a dura crítica dos críticos do «eduquês» à portuguesa. Ainda se aqueles pilares apontassem o ensino das ciências, das matemáticas, o ensino da ideologia científica-tecnológica, os critérios da eficiência, da produtividade, dos ganhos de mais com menos, da separação do que interessa e não interessa, do útil e do inútil, o proveito da última tecnologia, o lucro do último invento, as previsões dos próximos milagres científicos e técnicos…, ainda se esta ideologia anti-«eduquês» fosse o sustentáculo da reforma de Chávez, poderia ser que valesse a pena esperar para ver os resultados, mas assim, com estas proclamações ("aprender a criar, aprender a participar e a conviver, aprender a valorizar e aprender a reflectir"), nada de bom é possível de se esperar. Assim, Chávez até cria a ilusão de que está a copiar a fórmula do «eduquês» português: «aprender a aprender».

17 setembro 2007

Do 'P' de hoje

- «políticos em pousio que continuam a marcar a actualidade, como Mário Soares ou Fidel Castro ou José Maria Aznar». Em «pousio»? Pelas mesmas razões, nas mesmas circunstâncias, com os mesmos objectivos? «Pousio»…
- «Mário Soares terá reafirmado a sua condição de homem «laico», mas «com dúvidas». A novidade é que estas «dúvidas» nunca antes se tinham tornado públicas. Nunca é tarde, sobretudo quando se faz tarde.

15 setembro 2007

Nem só os deputados chegam do nevoeiro

Alguns jornalistas continuam a alertar para a letargia em que se encontravam os deputados quando foi aprovada pela Assembleia da República a lei que proíbe a publicação de escutas telefónicas. Mas não é apenas esta lassidão por parte dos deputados que motiva o alerta do director do ‘P’, pois, ele descortina que esta inconsciência foi aproveitada de «forma traiçoeira e dissimulada» pela «actual maioria» que, assim, aproveitando-se perversamente da dormência dos srs. deputados fez aprovar com evidente «má-fé» o que os srs. deputados não aprovariam se estivessem em estado de vigília, atentos à ordem do dia, conscientes dos diplomas que votam e, naturalmente, avisados pelos jornalistas da malícia que estavam a deixar passar… Tudo isto, acrescenta, pode fazer parte de «agendas inconfessáveis» que convém prevenir. E é para isso naturalmente que os jornalistas podem servir, desde que a sua acção seja julgada pelos próprios e não por quem não percebe nada do assunto, pois, é fácil de ver que os advogados avaliam-se a si próprios, que os professores avaliam-se a si próprios, que os médicos avaliam-se também a si próprios tal como os políticos e por aí fora. Só não se percebe é por que quereriam que os jornalistas ainda estivessem sujeitos a uma avaliação não por pares mas por gente de uma comissão qualquer. É óbvio que tamanho controlo será o mesmo que a «actual maioria» exerce sobre os deputados, anestesiando de igual forma também os jornalistas de modo a pô-los a escreverem o que não querem tal como os deputados aprovam leis sem ler os diplomas em causa. Qual «diabo» se lembraria de uma coisa destas?!
Parece que tudo se inclina para que alguém diga de alguns jornalistas o que disseram de alguns deputados: «parecem escolhidos numa noite de nevoeiro».

07 setembro 2007

A marca de Zorrinho, a equidade e as ondas de choque

«Ignoram [os analistas críticos…] – diz Zorrinho –, que a medida adequada para avaliar o sentido mais ou menos progressista duma política é o patamar de equidade que ela permite atingir no sistema social e económico que pretende influenciar. Equidade na participação e equidade na fruição dos resultados obtidos.» (Público, 6/09)
Tal como a ignorância desses analistas não lhes permite topar e muito menos perceber que para os libertários o critério para «avaliar o sentido mais ou menos progressista duma política» é o de a cada decisão aumentar ou não o espaço de liberdade do indivíduo ou do grupo; tal como ignoram que para os chamados neoliberais o critério das medidas justas é o do mercado; tal como ignoram que para os autoritários a segurança e a repressão vêm antes de qualquer outro interesse; etc.
Mas Zorrinho sabe qual é o critério para avaliar as medidas de um governo socialista e isso é que conta. No artigo de onde o excerto foi extraído, Zorrinho empalidece os analistas com o desfiar dos diversos campos da acção governativa onde aquele critério aparece como o farol que iluminou todas as decisões tomadas. Por isso, encandeado, não é capaz de apontar nenhuma medida em concreto, mas apenas tópicos programáticos que se tornam banalidades supérfluas no contexto do objectivo a que se propôs com tal artigo: elogiar o governo pelas acções promovidas.
Claro que o facto de as estatísticas dizerem que, nos últimos tempos, Portugal é o país da Europa onde o fosso entre as classes ricas e pobres mais tem aumentado não põe em causa esse princípio. Claro que o autoritarismo da governação socialista está, para Zorrinho, dentro do «patamar de equidade». Claro que a justiça de Zorrinho só pode ser realizada no «patamar de equidade». Poder-se-ia pensar que não?
Claro que não, até porque entretanto Zorrinho teve oportunidade para perceber que «a exaustiva procura do envolvimento dos actores sociais nos processos de mudança e reforma, consubstanciada na designada política de diálogo» pertence ao passado, e que, por outro lado, a estratégia de governação para áreas fundamentais (sistema político, administração pública e reforma fiscal) do Estado deveria ser estendida a todas as áreas da governação. Qual estratégia? A que ultrapassa a «metodologia dos processos reformistas» e que tem em conta que «algumas reformas transversais, exactamente por serem intersectoriais e propedêuticas, exigem uma actuação diferenciada, mais próxima dos velhos métodos da reforma por decreto, lançada de surpresa e gerida cuidadosamente, na relação dinâmica entre os impactes e as ondas de choque» (“O regresso do Socialismo”, 1999). Se esta não é a medida da «equidade» onde está a «equidade»?

04 setembro 2007

Sarkozy e os sábios

Sarkozy terá proposto um conselho de sábios que reflectisse sobre o futuro da União Europeia, sugerindo um número aproximado entre os dez a doze. O que é problemático, pois, uma proposta deste género equivale a retirar argumentos à capacidade de construção democrática da União e, portanto, à necessidade de referendar as decisões que os políticos tomam. Desta maneira, parece que os sábios estariam a tomar conta do poder, pelo menos do poder do conhecimento que eles emprestam depois aos políticos para porem em prática. Então, primeira questão, para quê os políticos se estes vão beber a reflexão aos sábios?
Depois, segunda questão, estará Platão afinal mais actual na modernidade acerca da sua ideia de que quem deveria governar era o «filósofo-rei», isto é, aquele que simultaneamente fosse sabedor e tivesse o poder? Mas não foi este mesmo filósofo que foi incensado na praça pública por ser um adepto das virtudes da ditadura?
Terceira pergunta: será Sarkozy um adepto político de Platão, um «rei» que encontrou o seu «filósofo»?!