30 novembro 2007

A Turquia na Europa da União europeia?

Segundo o jornal ‘P’, de hoje, «O editor turco do último livro do biólogo e especialista em evolução Richard Dawkins (A Desilusão de Deus, na edição portuguesa da Casa das Letras) pode vir a ser julgado, porque um leitor ofendido apresentou queixa dele.»
A simples ideia de que um livro, ou outra publicação qualquer, de que não se goste possa ser banido por um tribunal que assume, assim, para além da aplicação da justiça, o papel de instância censória, porque a liberdade de expressão não é suficientemente protegida, é assustadora. Se se pensar que isto acontece porque a liberdade de expressão não é um direito constitucional e, portanto, um direito positivo que a todos deve obrigar, e às autoridades, nomeadamente, os tribunais, garantir a efectiva aplicação, então algo vai mal quando se espera que um tal quadro de redução das liberdades entre pela União Europeia adentro.
Se se somar a isto o preconceito religioso, o fundamentalismo corânico (e bíblico, para os lados de alguns estados norte-americanos…) num Estado que aparentemente já teria realizado a separação entre a igreja e a administração pública, menos convincente se torna a ideia dos cidadãos europeus irem todos parar aos tribunais e à prisão por lerem livros que considerem deus uma desilusão, ou porque alguma criança deu o nome de um profeta, ou Jesus, ou Maomé, a um urso de peluche, ou a outra coisa qualquer. É óbvio que se for para termos um país assim dentro da União Europeia, que não respeite uma coisa e outra, a liberdade de expressão e a separação entre a igreja e o Estado, mais vale estar quieto e esperar que a parceria privilegiada entre a União e a Turquia permita que ao fim de muito, muito tempo, a liberdade e a tolerância acabem por se instalarem neste país candidato à adesão. Até lá… mude-se!

28 novembro 2007

Durão Barroso para Nobel?

É natural que o actual presidente de Timor-Leste, José Ramos-Horta, ele próprio um prémio Nobel, queira reconhecer o contributo dos portugueses para a independência do seu país e que expresse esse desejo de forma personalizada. Poderia ter indicado Guterres, Jorge Sampaio, como também Durão Barroso. Só que este último pode ser mais facilmente «nobelizável» pelo peso que tem nas actuais estruturas da União europeia, com a qual Timor-Leste quererá contar como parceiro político e económico, mas é também este último que carrega um fardo que ninguém lhe pode tirar, que é radicalmente contraditório pelo menos com o espírito de um Prémio Nobel da Paz, e que consiste no seu envolvimento pessoal na preparação, primeiro, e na decisão, depois, de alguns países que iniciarem uma guerra contra o Iraque e o invadiram. A contradição está em ganhar um prémio Novel dedicado à Paz depois de ser um incitador da guerra! O único argumento que poderia suster esta nomeação seria o de que «a paz conquista-se com a guerra», a que se opõe o argumento de que uma guerra iníqua, assente na mentira, na vingança, no desejo de uma superpotência impor a sua vontade ao mundo, impor a nível internacional uma ordem que lhe seja adequada, numa espécie de visão mítica e utópica duma administração tomada de assalto por fundamentalistas religiosos e ideólogos ressabiados, um tal argumento só pode se defendido por uma espécie de nova União Soviética vestida, não de vermelho, mas de um branco alvo de fazer estremecer a alvura do céu. Durão Barroso foi um desses anjos da morte vestidos de branco. Que lhe dêem uma coroa de Nobel só mostra o ridículo da distribuição destes prémios. Ao menos entreguem-no ao anjo mor da camarilha da nova União: a Bush. E tutti quanti.

26 novembro 2007

A barbárie, segundo Daniel Sampaio

Daniel Sampaio encontrou, num único número do ‘P’ de um domingo passado (18/11), diferentes visões do mundo, de Portugal e do homem português, que convergiam de tal modo para a catástrofe, que não se conteve na lamentação que escreveu passados oito dias: «pessimismos de intelectuais ou visão realista de uma sociedade abúlica e submissa, onde é difícil fazer ouvir uma voz diferente? (pela minha parte, senti-o na pele: ao intervir, como Presidente do Júri, na cerimónia de entrega do Prémio Nacional de Professores, verifiquei como os nossos governantes têm dificuldade em escutar uma voz crítica - ao chamar a atenção para o mal-estar entre governo e professores e ao propor um novo relacionamento entre governo e docentes, recebi como resposta o auto-elogio da acção governativa...).
Ora, o equívoco de Daniel Sampaio assenta na apreciação que faz de si próprio acerca do papel da sua voz no quadro do exercício do poder da maioria absoluta socialista. Não percebeu, primeiro, que ao ser convidado para presidir ao Júri e à cerimónia de entrega dos Prémios do Concurso Nacional de Professores, ele caucionava uma política da qual julgava que podia distanciar-se criticamente, nomeadamente ao pronunciar-se sobre a necessidade da reconciliação entre docentes e governo. Depois, equivocou-se novamente ao esperar que o governo lhe reconhecesse a parcimónia de um contributo para esse diálogo, quando aquilo que lhe tinha sido pedido era que executasse com destreza o ritual de mestre-de-cerimónias e não que abrisse a boca para exercitar a crítica em nome de qualquer apaziguamento. Finalmente, ao expor publicamente a decepção perante a resposta que obteve, Daniel Sampaio coloca-se na pele de despeitado, forçando a nota e provocando a leitura vitimizadora sobre a forma como foi tratado, quando também deveria ter percebido que, no jogo de poder, o governo (qualquer governo) não usa apenas aqueles que sabe que pode e que deve usar, como usa também aqueles que julgam erradamente que ao serem usados estão na realidade a usar o poder.

25 novembro 2007

Patrões ao lado dos trabalhadores, segundo o ‘Expresso’

O ‘Expresso’ noticia uma insólita chamada telefónica entre o presidente da CCP (Confederação do Comércio Português), José António Silva, e o secretário-geral da CGTP, Carvalho da Silva. Aquele explica que o seu telefonema, para além de felicitar este pelo lançamento do seu livro, foi aproveitado «ainda para o sondar sobre a hipótese de uma acção conjunta contra o aumento em flecha do desemprego, devido à lei do licenciamento comercial». Carvalho da Silva comenta que terá ouvido uma declaração de apoio «em termos a discutir» a «uma greve geral dos sindicatos». O que é ligeiramente diferente à superfície e radicalmente diferente em substância.
Primeiro, é de louvar que um telefonema entre duas pessoas adultas seja comentado na praça pública sem qualquer histeria à volta de escutas telefónicas. Como é que uma chamada telefónica destas vai parar aos jornalistas do ‘Expresso’, já é outra história, mas não menos despicienda, porque, na realidade, algum deles sentiu necessidade de publicitá-la, o que mostra que um quer falar do apoio do outro, ou que qualquer um quer aproveitar-se da dinâmica do outro.
Em segundo lugar, não menos interessante é notar-se que o princípio que o presidente da CCP parece querer defender é o de que, numa situação de aperto, mais vale darmos as mãos do que cada um lutar pelo seu lado, fazendo crer, assim, que os interesses de trabalhadores e de patrões são, senão tacticamente idênticos, pelo menos, pontualmente convergentes. Mas como a luta da CCP é contra as grandes superfícies, com as quais não podem nem sabem competir, e é-lhes difícil arregimentarem os trabalhadores contra elas, onde eles vão sistematicamente comprar os produtos de que necessitam, então torna-se mais fácil uma pretensa união de esforços entre trabalhadores e patrões, não contra as grandes superfícies, mas contra o governo que licencia as grandes superfícies, responsabilizando o governo por tudo: pela impossibilidade de concorrência entre os pequenos comerciantes e as grandes superfícies, pelo desemprego no sector, pelos horários permitidos, etc. Do outro lado, como a luta de classes já acabou, a resposta dos trabalhadores não é contra patrão nenhum, mas ao lado deles, contra o patrão de todos, o governo. A ideia comunista de que todas as lutas em convergência ainda um dia hão-de deitar abaixo um governo, está ainda por provar que não está errada…
Em terceiro lugar, muito provavelmente esta comunhão de esforços deverá traduzir-se numa santa aliança, quando aos trabalhadores e patrões juntar-se a outra confederação, a da fé, a dos senhores padres e bispos que perante a ameaça de cada vez mais verem as igrejas desertas aos domingos com os seus rebanhos tresmalhados pelos centros comerciais, não hesitarão em culpar também o governo e declarar o seu apoio à greve geral.

23 novembro 2007

Pode ser no futebol

Pode ser no futebol, ou noutra coisa qualquer, dizer que, se se conseguiu atingir o objectivo de ganhar, de obter o proveito desejado, de fazer o que se deseja, de ultrapassar o obstáculo, então isso é suficiente. Mas não basta. Há, em qualquer área de actividade, e também no futebol, níveis pelos quais é possível aferir que o êxito de uma empresa, sendo o objectivo último, pode variar de qualidade e que esta qualidade pode fazer toda a diferença. À primeira vista, parece que ganhar é tudo, e fazê-lo bem não é nada. Mas é com certeza diferente um aluno ter êxito nos seus estudos com uma média de dez, e outro aluno ter o mesmo êxito com uma média de dezoito. O «mesmo êxito» é qualitativamente diferente, o que pode não ser assim tão pouco importante como isso. Mesmo para quem julgue que o resultado mínimo se alcança como operário de mangas arregaçadas e o melhor resultado se alcance com alma de poeta. Pode até ser no futebol, que se nota logo a diferença entre ganhar um jogo e ganhar bem um jogo. Excepto para o adepto fanático para quem ganhar a qualquer preço é tudo. Mas chegados ao fanatismo, não há poesia que valha.

20 novembro 2007

Sócrates e Chávez ao jantar

Se Sócrates disse que afinal já tinha convidado Hugo Chávez «há alguns meses», seja para jantar, seja para estabelecer negócios, ou para o que quer que fosse, mesmo para discutir política internacional, criando a ideia de que, se fosse agora, não o teria convidado nem para uma coisa nem para qualquer outra, se assim foi, então Sócrates mostra que é um político mesquinho ao insinuar que só leva para a frente tal encontro por já estar marcado «há alguns meses». A ideia de que depois do episódio com o rei Juan Carlos, Chávez não merece a mesma atenção que teria antes desse episódio, é ridícula e, a ser válida, teria de ser aplicada com o mesmo fervor ao próprio rei Juan Carlos. E no entanto, este foi um episódio de lana-caprina que apenas ofuscou um outro acontecimento que deveria ter sido falado e discutido na cimeira, e depois continuado em outros fóruns, o da preparação do golpe de estado contra Chávez com o alegado conhecimento de Aznar e a sua ajuda implícita ou explícita. Este é o cerne da questão.

13 novembro 2007

Ano Internacional do Planeta Sexy

Foi apresentado o Ano Internacional do Planeta Terra. O seu objectivo é «Promover o conhecimento sobre o potencial das ciências da terra, enfatizando o seu contributo na vida dos cidadãos e na salvaguarda do nosso planeta.» Eduardo de Mulder, director executivo deste ano internacional junto da Unesco-IUGS, sintetiza, diz a jornalista do ‘P’, tudo o que pretendem alcançar com a frase «É sexy estudar geologia.» Como se não bastasse um dirigente pensar assim, Maria Helena Henriques, Coordenadora do Comité Português para o ano Internacional do Planeta Terra, «não podia estar mais de acordo»: «É giro saber como funciona o planeta», e tudo isto «é sexy» porque… dá emprego!
Poder-se-ia pensar numa coisa que desse emprego e não fosse sexy? Pode-se pensar numa área de conhecimento que não tenha de ser apresentada como «gira» para ser atractiva? Pode-se pensar em conhecimento científico sem infantilizar a sua utilidade e interesse?
Não há muito tempo, um dirigente do CDS/PP advogava que o partido deveria tornar-se «mais sexy», confundindo publicidade com propaganda e mostrando quanto o seu partido atravessava uma fase complicada, para a qual a sexualidade deveria desempenhar algum papel relevante. É o que se vê.
Que gente envolvida em áreas do conhecimento necessite de envolver o seu «produto» numa capa muito pouco adequada, é motivo de preocupação, por um lado, e, por outro, mostra como a educação dos jovens, mesmo ao nível do conhecimento científico, é atropelada pelos princípios da pedagogia moderna assente na atractividade, na animação, no folclore, no «ser sexy». Se isto não é diminuir o nível do que é educar, se isto não é infantilizar quer o educador quer o educando, se isto não é o «eduquês» no seu melhor nível, então haverá que esperar grandes contributos educacionais de uma iniciativa como o Ano Internacional do Planeta Terra.

11 novembro 2007

Um «modelo português» na ‘Pª’ do ‘P’

Ricardo Guedes, um «modelo português» diz (ou terá dito): «… e vou praticando desportos mais calmos e lendo livros mais pesados (…)» Pois é, «livros mais pesados»… Pode apetecer levar à letra, mas não. Esta opção pelo «mais pesado» deve-se à rubrica sobre “Os anos passam…” Mais à frente, naquilo que parece ser o resultado da entrevista, na fase “Para descontrair”, este «modelo português», esclarece que se não anda de mota, descontrai com «um bom livro acompanhado de um bom copo de vinho, de preferência tinto da região do Douro». Antes ficara dito que o livro seria «mais pesado». Depois, é dito que o livro deve ser «bom», mas acompanhado «de um bom copo de vinho tinto» do Douro. De coisas pesadas passamos para coisas acompanhadas. O livro, assim, parece ter funções culturistas. Depois, gastrónomas. Possivelmente, nesta área, não pode ter outras. Possivelmente será impossível que tenha outras.

02 novembro 2007

Joaquim Fidalgo despede-se e Putin treina

Joaquim Fidalgo despede-se no ‘P’ de tal modo que mostra quanto a despedida o afectou. Se uma despedida provoca um tal toldar do raciocínio a ponto de ser capaz de escrever uma das piores crónicas que terá escrito neste jornal, mais valia ir-se embora e não dizer nada, até ser notada a sua falta.

Do outro lado da UE, do lado de onde nem a Turquia desata nem a Rússia ata, chegam notícias da conversão espantosa de Putin ao regime das liberdades, da democracia e dos direitos do homem. Ele terá dito que a repressão generalizada, sob as ordens de Estaline, foi "uma enorme tragédia pela sua dimensão colossal. Milhões de pessoas foram liquidadas, enviadas para campos de concentração, torturadas e executadas. Eram os que formavam as suas ideias e que não tinham medo de falar. Eram o melhor da nação". Como é que se faz para se passar por bom? Fazendo os outros passar por piores do que nós, e que por isso merecem mais atenção crítica do que alguém que até é capaz de denunciar os crimes dos outros. Nada que o presidente do império, Bush, não goste de fazer, mas democraticamente. No caso de Putin, ainda não se sabe exactamente os crimes que lhe são directamente imputáveis. Como é o presidente russo, ele tem muitos crimes, muitas violações de direitos, muitos golpes à democracia sobre as costas. Tantos que são incontáveis. Tal como ainda não há acordo sobre as mortes devidas a Estaline, que variam duns ínfimos quatro milhões a dezasseis ou vinte milhões de mortos. Quanto maior é este número, mais impressiona e reflecte a brutalidade. Só falta que os srs. historiadores resolvam o problema de forma mais decisiva. Pelo menos para que alguns jornalistas trabalhem com números mais sérios e aquele grau de variação seja tornado o mais pequeno possível.