26 abril 2007

A ciência dos rapazes para um lado e das raparigas para outro

Cornellius Riordan, que é apresentado nas páginas do ‘P2’, 26/04, como um reputado sociólogo defensor da separação da educação para rapazes e raparigas, declara, na entrevista, as suas «certezas» acerca deste assunto. Diz que «ninguém no mundo sabe se elas [escolas unissexo] são mais ou menos eficazes». Ora, esta dúvida parece ser própria de uma atitude cautelosa, contrária àquela que apanha a primeira moda soprada ao ouvido e que proclama, de seguida, mais uma inovação pedagógica. Para Cornellius, as «escolas unissexo não são ideais para toda a gente, mas as escolas mistas também não», o que não é mais do que o senso comum ensina. Aliás, Cornellius parece nada mais ter a oferecer senão banalidades e senso comum em defesa daquilo que ele defende sem convicção e sem provas. As escolas unissexo aparecem como sendo muito eficazes contra o assédio sexual, parece que não traumatizam ninguém, e parece também que poderão ser uma boa saída para a educação dos rapazes, «um grupo [actualmente - como o foram as raparigas em tempos ] em desvantagem».
Tudo isto alicerçado em quê? Responde Cornellius que a «única coisa que é justo dizer sobre escolas unissexo é que cerca de metade dos estudos são, de facto, ambíguos». Mais: «A investigação neste campo ainda está na infância. Os melhores dias ainda estão para vir. Esperam-nos mais uns 20 ou 30 anos de estudos».
Mas enquanto as «provas» não chegam, Cornellius sempre vai explicando a metodologia que suporta a sua perspectiva. Se é verdade que, segundo ele, «ninguém sabe a verdadeira resposta» à questão de os rapazes e as raparigas aprenderem ou não de forma diferente, tal ignorância não tolhe a ideia de Cornellius no que respeita à fundamentação de tudo isto. Para ele, as coisas são assim: ««Bem, se estão a ter melhores resultados [o que falta provar], é por isso que devemos defender [as escolas unissexo]. Não temos de saber a razão. Um dia uma rapariga pode descobrir a cura para o cancro sem saber exactamente porque é que aquele comprimido vai curar as pessoas mas isso não nos vai impedir de tomar o comprimido. Em ciência não temos de ter a explicação.»
É aqui que se encontra o pior deste espírito «científico», porque pretende assentar toda a sua explicação na… não explicação! Primeiro, «um dia uma rapariga pode descobrir a cura para o cancro», assim, aos trambolhões, sem saber exactamente o que está a fazer, mas depois de ter sido ensinada naturalmente num colégio de raparigas: ela nem sabe o que faz aquele comprimido curar as pessoas! Para além disso, quererão as pessoas saber o que é aquele comprimido, se ele cura?! Não, a ignorância é condição da cura! Finalmente, o reconhecimento de que a ignorância faz milagres e ajuda ao avanço da ciência é a afirmação do sociólogo Cornellius de que em ciência «não temos de ter a explicação», o que é definitivamente um disparate sem pés nem cabeça!
O problema de Cornellius Riordan foi o de ter encontrado uma jornalista, Kathleen Gomes, que soube fazer a pergunta certa: mas se não se sabe, porque é que se avança? Aí, Cornellius espalhou-se… Então, resolveu brincar com a «explicação científica», mas é de crer que, tendo em conta o seu escrúpulo na apresentação das dúvidas iniciais, que tal brincadeira não corresponde totalmente à sua ideia. O mérito está na jornalista.

19 abril 2007

Responsabilidades da República na Madeira

Havia uma velha história que dizia que a Região Autónoma da Madeira, tão castigada pelo abandono a que a votou o regime fascista, haveria de ser senhora de si mesma, mandar em si própria, e estabelecer as condições da sua própria liberdade. Acima da RAM, só Alberto João e depois de Alberto João só Deus, e mesmo assim, não se sabe se por esta última ordem. A autonomia «progressiva» nunca foi um objectivo escondido, mascarado, e ao longo dos anos essa ideia foi cimentada pelas sucessivas «regionalizações» que os governos da República foram cedendo, satisfazendo duas ambições: pelo menos, se no território continental não havia regionalização, a Madeira era um exemplo de como era possível prosseguir esse objectivo, libertando Lisboa - confundida com a República - de maçadas e preocupações; por outro lado, a ideia de que o vínculo com a República poderia ser apenas o de uma bandeira e de um hino, colocados ao lado da bandeira e do hino regionais, não havendo mais nenhum elo que consubstanciasse esse vínculo a não ser, para além do uso da mesma língua e dos aeroportos mais próximos, o dever de a RAM, assim instituída quase em Estado dentro do Estado português, ser subsidiada pelo Orçamento da República, e de acordo com os interesses do orçamento regional. Este quadro não é o de uma independência completa, mas é o de uma quase República, independentemente de ser das bananas ou não. E tudo isto foi sendo construído ao longo dos anos, ora com avisos sérios de quem olhava para os golpes de Alberto João de maneira desconfiada, ora com longos bocejos de superioridade provinciana dos que olham para a ilha como quem dá migalhas aos pobres e espera que terá sempre a gratidão daqueles coitadinhos a quem o destino tramou por nascerem numa ilha, ora porque era urgente, de acordo com o sabor dos ventos da situação política, acalmar o escarcéu que Alberto João conseguia promover, particularmente na altura da discussão dos Orçamentos de Estado, acenando com a manipulação dos deputados eleitos pelo círculo da Madeira no sentido de boicotar qualquer orçamento que não satisfizesse os seus apetites.
Regionalizada também a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais da RAM, o actual braço de Ferro entre as instituições nacionais, Ministro das Finanças e director-geral dos Impostos, por um lado, e o responsável pela DRAF, a Secretaria Regional do Plano e Finanças, e claro - porque nem uma palha se mexe no governo regional e na Madeira sem que Alberto João dê o seu consentimento -, o próprio presidente do Governo Regional da Madeira, não é senão o retomar de um problema que foi sendo desenrolado sem que houvesse estardalhaço de maior, mas, como agora o que está em causa são obrigações referentes a dinheiros, o verniz estalou e o conflito anda pelos pareceres, pelos silêncios, pelos gabinetes, numa espécie de negociação pela via diplomática, submergido nas últimas páginas dos jornais e sem suscitar o interesse da comunicação em geral. Na verdade, ainda não foi debatida com toda a crueza até onde a República quer ir no que respeita às Regiões Autónomas, quer da Madeira quer dos Açores. Enquanto isso não acontecer, estes episódios sobre quem manda em quê, serão habituais. O que não quer dizer que a República tenha responsabilidade na sua solução, e se assim for, porque pretenderia ter jurisdição financeira onde antes abriu as mãos?

09 abril 2007

«Habituem-se!»

Desde o episódio dos fogos do Verão do ano passado, em que o governo de Sócrates foi acusado de controlar o noticiário da RTP, ao mais recente projecto sobre a comunicação social, tem sido crescente a propaganda dos meios da oposição e dos jornalistas à censura que, de uma forma ou de outra, o governo ou praticaria já, ou se prepararia para pôr em prática. Há quem diga mesmo que, se o governo tem uma «política de informação», então também tem uma «política para controlar a informação», como se uma coisa obrigasse a outra, ou dito de outro modo, como se em qualquer caso, o simples facto de o governo «mexer» com a informação equivalesse a controlá-la.
O problema é outro, o de ser legítimo ou não ao governo controlar, como tem feito até agora, o fluxo de informação respeitante ao seu próprio governo, o que naturalmente se prende com a tal «censura» que o governo já praticaria. Neste aspecto, a situação ficou clara para todos, políticos e jornalistas, quando António Vitorino exclamou, em devido tempo, «Habituem-se!» Desde logo, o que António Vitorino quis salientar era o facto de o regabofe informativo anterior, vindo do tempo dos governos de Guterres, de Barroso e sobretudo de Santana, ter acabado. De facto, tinha-se instalado a ideia de que o simples espirro de um ministro devia originar milhentas perguntas e especulações sobre as suas origens, contextos e consequências, num rodopio cacofónico interminável, e exigia-se, ainda, que tal ministro mostrasse disponibilidade para participar nesta estridência jornalística. Tempos áureos!
Ora, o que este governo fez foi pôr cobro a essa situação de «orgia jornalística» ao colocar-se na posição de quem se resguarda de, a todo o instante e em qualquer lugar, ter de prestar contas à comunicação social, como se não houvesse momentos e locais próprios para esse efeito. Ao fazê-lo, por consequência, o governo «comprou» uma guerra com os srs. jornalistas. Os srs. jornalistas, por sua vez e em retorno, «compraram» ao governo a guerra da «liberdade de expressão». Nada mau, pois, pelo menos enquanto a Independente não derruba Sócrates, sempre têm com que se entreter. Porque a verdade é esta: se este governa procura controlar o fluxo da informação que lhe respeita, não é menos verdade que quem gere toda a informação são os srs. jornalistas, e não é por isso que é dito que os srs. jornalistas controlam a comunicação social e exercem a censura sobre os meios de informação. Depois, os jornalistas têm sempre o dever de procurar descobrir o que o dizem estar o governo a ocultar. Sempre são, ou julgam ser, o 4.º poder…

03 abril 2007

A identidade no jornal: assinaturas e Ferraris

Comecemos pelas assinaturas: uma é «Investigadora em assuntos judaicos»; outra, é «Investigadora em assuntos islâmicos». Esther Mucznik, a primeira, escreve as suas crónicas no jornal ‘P’, invariavelmente dedicadas à questão de saber quem são os bons neste mundo, chegando, não menos invariavelmente, à conclusão de que são todos maus à excepção de Israel e dos EUA. Por isso, diz, o «ódio a Israel e à América [quer dizer, aos EUA] oculta a barbárie do nosso tempo». O programa desta «investigadora » é assim claro como água, e o problema começa quando, por acaso, se interroga sobre qual o interesse duma crónica num jornal merecer a identificação da autora como «Investigadora em assuntos judeus». A autora, ou o jornal, ou ambos, fazem questão, vá-se lá adivinhar porquê…, sublinhar esta identidade sobre os «assuntos judaicos».
Então, Faranaz Keshavjee pode, no mesmo jornal, reivindicar - como o faz na edição de hoje - também a sua identidade de muçulmana, e escrever uma crónica pungente sobre a dilaceração da sua identidade, o que não a impede de assinar como «Investigadora em assuntos islâmicos»! Parece o contraponto de Esther, mas, na realidade, não o é, porque Esther tem o seu problema identitário mais que resolvido e aponta muito bem onde estão os seus inimigos: todos os que não são judeus, à excepção dos americanos judeus, enquanto Faranaz aparenta maior dificuldade em conciliar o seu destino e a sua identidade, reconhecendo, no entanto, que ninguém no Ocidente percebe a raiz das coisas dos muçulmanos e do islão porque são todos «ignorantes e mal-formados». Diz: «nem os líderes de opinião nem mesmo os nossos políticos (…) conhecem os muçulmanos que moram na sua própria casa.»
Uma e outra peroram a incompreensão a que os seus mundos respectivos são votados. Esther, sobre os resultados de uma sondagem em que Israel sai colocado numa nova espécie do «eixo do mal», lamenta a «distorção»: «É evidente que a natureza das perguntas e o momento em que são feitas condicionam parcialmente as respostas.» Faranaz, lamentando a falta de oportunidade para explicar o que realmente é e lhe vai na alma, e acusa quem geralmente pede aos muçulmanos «que tragam respostas às perguntas já de si fundadas em inverdades e ignorâncias».
Mas há mais coisas comuns em toda a linha, particularmente a militância na «extrema-esquerda». Enquanto que os que militavam por estas bandas, debandaram para a moda dos «neocons», Faranaz lamenta que quando alguém se atreve a dizer alguma coisa, seja acusada de ser de «“estrema-esquerda”,the men’s best friend isto é, “muçulmano”, anti-Ocidente, pró-terrorista, incivilizado».
Tudo isto porquê? Pela falta de amizade, de um ombro em quem confiar, da falta da palavra de conforto em vez de ódio, de compreensão. Mas escrevendo ambas como «Investigadoras», cada uma à sua maneira, no mesmo jornal, resta-lhes a consolação - há sempre uma! - do director respectivo, falando de Ferraris: «a interrogação que se nos colocava não era como se pode gastar tanto dinheiro numa futilidade daquelas: era de como tão poucos sabem como um Ferrari pode ser the men's best friends».
Não ficam aliviadas com esta visão e este desprendimento tão inofensivo com a identidade de um Ferrari?!