19 abril 2007

Responsabilidades da República na Madeira

Havia uma velha história que dizia que a Região Autónoma da Madeira, tão castigada pelo abandono a que a votou o regime fascista, haveria de ser senhora de si mesma, mandar em si própria, e estabelecer as condições da sua própria liberdade. Acima da RAM, só Alberto João e depois de Alberto João só Deus, e mesmo assim, não se sabe se por esta última ordem. A autonomia «progressiva» nunca foi um objectivo escondido, mascarado, e ao longo dos anos essa ideia foi cimentada pelas sucessivas «regionalizações» que os governos da República foram cedendo, satisfazendo duas ambições: pelo menos, se no território continental não havia regionalização, a Madeira era um exemplo de como era possível prosseguir esse objectivo, libertando Lisboa - confundida com a República - de maçadas e preocupações; por outro lado, a ideia de que o vínculo com a República poderia ser apenas o de uma bandeira e de um hino, colocados ao lado da bandeira e do hino regionais, não havendo mais nenhum elo que consubstanciasse esse vínculo a não ser, para além do uso da mesma língua e dos aeroportos mais próximos, o dever de a RAM, assim instituída quase em Estado dentro do Estado português, ser subsidiada pelo Orçamento da República, e de acordo com os interesses do orçamento regional. Este quadro não é o de uma independência completa, mas é o de uma quase República, independentemente de ser das bananas ou não. E tudo isto foi sendo construído ao longo dos anos, ora com avisos sérios de quem olhava para os golpes de Alberto João de maneira desconfiada, ora com longos bocejos de superioridade provinciana dos que olham para a ilha como quem dá migalhas aos pobres e espera que terá sempre a gratidão daqueles coitadinhos a quem o destino tramou por nascerem numa ilha, ora porque era urgente, de acordo com o sabor dos ventos da situação política, acalmar o escarcéu que Alberto João conseguia promover, particularmente na altura da discussão dos Orçamentos de Estado, acenando com a manipulação dos deputados eleitos pelo círculo da Madeira no sentido de boicotar qualquer orçamento que não satisfizesse os seus apetites.
Regionalizada também a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais da RAM, o actual braço de Ferro entre as instituições nacionais, Ministro das Finanças e director-geral dos Impostos, por um lado, e o responsável pela DRAF, a Secretaria Regional do Plano e Finanças, e claro - porque nem uma palha se mexe no governo regional e na Madeira sem que Alberto João dê o seu consentimento -, o próprio presidente do Governo Regional da Madeira, não é senão o retomar de um problema que foi sendo desenrolado sem que houvesse estardalhaço de maior, mas, como agora o que está em causa são obrigações referentes a dinheiros, o verniz estalou e o conflito anda pelos pareceres, pelos silêncios, pelos gabinetes, numa espécie de negociação pela via diplomática, submergido nas últimas páginas dos jornais e sem suscitar o interesse da comunicação em geral. Na verdade, ainda não foi debatida com toda a crueza até onde a República quer ir no que respeita às Regiões Autónomas, quer da Madeira quer dos Açores. Enquanto isso não acontecer, estes episódios sobre quem manda em quê, serão habituais. O que não quer dizer que a República tenha responsabilidade na sua solução, e se assim for, porque pretenderia ter jurisdição financeira onde antes abriu as mãos?