28 outubro 2007

Exterminar o capitalismo via SIBS

Ontem, as caixas e terminais de pagamento automático, vulgo Multibanco, colapsaram devido a uma operação de rotina de actualização dos programas, segundo explicou a SIBS. Por consequência, o sistema capitalista, em Portugal, esteve praticamente parado entre as 8h55 e as 13h00, pois, impediu que o mercado estivesse operacional ao não permitir que os consumidores pudessem comprar os produtos através dos cartões de débito e de crédito. Portanto, quando se diz que isto gerou «acentuada confusão», é só começar a pensar se esta situação fosse sempre assim, isto é, se houvesse uma maneira de prolongar esta agonia e de em vez de 4 ou 5 horas, este sistema de pagamentos pura e simplesmente fosse bloqueado e obrigasse as pessoas («pessoas» não, «consumidores») a ficarem a olhar para os produtos de consumo em vez de comprá-los. Numa palavra, emperrar a máquina capitalista. Deixá-la inerte. Agonizante. Sabotada. E não haverá nenhum grupo anti-capitalista que se proponha a acções destas? Já nem se fala da facção armada do BE, que entretanto se rendeu também aos encantos do capitalismo, aos encantos da democracia parlamentar e às delícias do poder.

19 outubro 2007

Lendo o ‘P’

O actual presidente da Rússia é tratado pela jornalista Francisca Gorjão Henriques: como «o ex-chefe dos espiões russos». É de supor que democraticamente um dia destes trate o presidente Sarkozy pelo «ex-marido de Cécilia», ou que o presidente Bush seja simplesmente um «ex-alcoólico em vias de libertar-se da insanidade do poder»…
A propósito dos exames do 12.º ano, o secretário de Estado da Educação Walter Lemos apresentou uma nova teoria do progresso curricular que ele sabe ser adaptável às outras disciplinas, como Matemática ou Física, ou Português, mas ainda não está absolutamente certo que se aplique à História. A teoria é a da «espiralidade»… Então, se os programas «estiverem bem feitos, com uma lógica de espiralidade, as competências terminais verificadas no 12.º incluem as adquiridas no 10.º e no 11.º ano. Só a História é que pode haver dúvidas», diz. Portanto, a «espiralidade» poderá estar certa noutros ramos do saber, mas quanto à História…Pois, o «eterno retorno», a «espiral», o «progresso», que confusão…

15 outubro 2007

A permanência do partido segundo Orwell e Júdice

No livro 1984, de G. Orwell, a certa altura, a personagem rebelde Winston Smith tem acesso ao livro clandestino que explica como é que as coisas se costumavam passar no que respeita à liderança do Partido. Numa das suas páginas, Winston lê: «a estrutura da confrontação política é mais importante para o desenvolvimento político do que a concreta situação de quem governa um país.»
Na carta aberta de José Manuel Júdice ao «presidente Menezes», aquele, ao explicitar a ideia de que o PSD não corresponde às «necessidades sistémicas» actuais, diz: «Não interessa saber quem detém o poder, contanto que a estrutura hierárquica se mantenha.»
Ou as citações estarão trocadas e a primeira é de Júdice e a segunda é que é de Orwell?

10 outubro 2007

M.S.T. e o seu desencanto do povo

Miguel Sousa Tavares (M.S.T.) resolveu, desta vez, desabar publicamente os seus estados de alma, e um deles ao que parece causado pela eleição recente do líder do PSD, é de estar farto do povo, mais precisamente, do ‘bom povo português’. É que para ele este povo não é boa rês, não tem assim tantos atributos de que se possa orgulhar, não tem, numa palavra, um passado limpo, um presente interessante e um futuro auspicioso. M.S.T. é taxativo: «grande parte» do ‘bom povo português’ é caloteiro, batoteiro, preguiçoso, corrupto, vicioso… Daí que se compreenda facilmente a consequência que ele próprio tira deste julgamento do ‘bom povo português’: se por acaso algum dia ele, M.S.T., se metesse na política «recuaria na obrigação de prestar vassalagem ao ‘bom povo português’». Não é que não encontre bons portugueses, nada disso. O problema é o da maioria, o da «grande parte» desse povo.
Ora, M.S.T. não é cego nem é incapaz de discernir o alcance das suas próprias palavras que não são apenas belicosas para essa «grande parte» do povo, como acarretam uma visão da política que tem muito pouco a ver com padrões democráticos comummente aceites. É que ao tecer aquele tipo de comentários acerca do ‘bom povo’, classificando a sua «grande parte» como a classificou, atribuindo-lhe um juízo de valor tão negativo, M.S.T. anula a qualidade de «pessoa séria» a essa «grande parte» e naturalmente lança na lama a capacidade eleitoral de uma «grande parte» do povo que, como sabemos, é a maioria. Numa palavra, M.S.T. fere de morte a capacidade eleitoral do mais soberano dos eleitores, o povo, porque ao denegri-lo da forma como o faz, retira-lhe a idoneidade e a credibilidade – o ethos do povo – e anula-o politicamente: quem assim é, não tem discernimento para escolher e, consequentemente, para votar. Se uma «grande parte» do ‘bom povo’ não presta, qual a sua legitimidade para sobre ela assentar a base eleitoral de todo o processo de escolhas políticas democráticas? A única hipótese possível seria a de julgar-se que esta «grande parte» do ‘bom povo’ era caloteiro, batoteiro, preguiçoso, corrupto, vicioso, mas que essa natureza não interferia na sua capacidade política, e portanto não o fazia perder direitos, tal como um ladrão a cumprir pena de prisão na cadeia não perde, só por isso, a sua capacidade eleitoral.
Ora, M.S.T. não está pelos ajustes e nem esta hipótese é contemplada por ele. Bem pelo contrário. A sua posição é categórica: ele, se entrasse para a política, «recuaria perante a obrigação de prestar vassalagem ao ‘bom povo português’», pelo menos àquela «grande parte» do ‘bom povo português’, que é simplesmente a maioria… O que resulta desta recusa em relação ao ‘bom povo’, o deixar de prestar vassalagem, prescindir dessa «obrigação, equivale a dizer o que vulgarmente se designa de ‘estar-se borrifando para o povo’, quer dizer, politicamente, não reconhecer alguma espécie de legitimidade para que essa «grande parte» possa sequer pensar em governar, quanto mais ser soberano – numa palavra, o ‘bom povo’ não manda nada, ou não deve mandar... De uma penada, os alicerces da democracia desaparecem com o seu actor principal, o ‘povo’ (ou «grande parte» dele), e, em seu lugar, aparece o poder não delimitado por qualquer instância política, caracterizado desta maneira de forma negativa numa espécie de buraco vazio. Só aparentemente vazio, porque na realidade algo como o governo das elites sem «grande parte» do povo deve estar na mente de M.S.T., senão, ele não puxaria da caneta para escrever que Menezes é o «lídimo representante do ‘bom povo português’ contra as elites». A não ser que a solução seja ainda outra: a das elites, a daquela «pequena parte» do povo que se aproveita, a minoria, impor a sua vontade contra a «grande parte», a maioria, do povo que não presta. Liguem «todas as campainhas de alarme», acrescenta M.S.T..

06 outubro 2007

Cavaco, professores e sindicatos

Bastou que Cavaco Silva falasse de «respeito» e «dignidade» em relação aos professores para que, por entre o rol de comentários mais ou menos habituais, se salientassem aqueles que, provindo das mesmas instituições, os sindicatos de professores, se repetem à exaustão, sem se darem conta que entretanto a paisagem mudou à sua volta. Colando-se imediatamente a estas palavras de Cavaco Silva, e elogiando-as, julgando encontrar nelas o reconhecimento social e institucional que tanto reivindicam para a sua classe, estes sindicatos nem se aperceberam quanto as palavras de Cavaco suponham exactamente um conjunto de princípios que estão contra tudo aquilo que eles defendem para os professores, desde logo a sua municipalização (concursos, vínculos, vencimentos), a escola enquanto propriedade da «comunidade», portanto, com uma direcção representativa das forças vivas do poder local, e portanto, os professores devolvidos à sua condição natural, a de «darem» aulas. Nada disto viram, mas ao aplaudirem Cavaco a propósito de uma simples deferência, mostra que gostaram muito da árvore e que não souberam ver o resto da floresta onde essa árvore está plantada. Para mal dos seus pecados, entre os quais estão naturalmente o de nunca terem encontrado uma estratégia própria que não os obrigasse a repetir à exaustão as mesmas posições. Sócrates, que sabe a historia toda, disse-o logo: «o governo está com os professores, não está é com os sindicatos». O pior é que são os dirigentes dos sindicatos que acreditam mesmo que os sindicatos são os professores, que se confundem com eles, e julgam, por conseguinte, que tudo o que sai das suas sábias cabeças é como se brotasse de todos eles. Mas auscultar em referendo se os professores queriam ou não o actual Estatuto da Carreira Docente era demasiado «basista» e desnecessário. Por isso, um alto dirigente da Fenprof continua a afirmar que o objectivo final é acabar com o Estatuto actualmente em vigor, como se tudo continuasse na mesma, como se nada de novo se tivesse passado, como se, finalmente, ainda os sindicatos fossem iniciar as abordagens preliminares para a futura negociação do Projecto de Estatuto. Tamanho anacronismo é inconcebível. Vindo de professores é assustador!

03 outubro 2007

Mercenários em Bagdad?

O presidente da Blackwater, uma das várias empresas que, no conjunto, têm tantos ou mais homens no Iraque do que o próprio exército oficial dos norte-americanos, acossado pela investigação no Congresso, terá dito que os mercenários da Blackwater não são propriamente mercenários: «Temos americanos que trabalham para a América a proteger americanos. Isso contrasta com a definição do dicionário Oxford: "soldados profissionais que trabalham para um governo estrangeiro"». Para o sr. Prince, o presidente da Blackwater, Bagdad e arredores são ainda parte do quintal dos EUA e, consequentemente, trabalhar para a «América» em solo iraquiano é a mesma coisa que apanhar flores e disparar uns tiros para não deixar as armas caseiras enferrujar… Nada que nos espante sabida como é péssima a classificação que os norte-americanos têm em matéria de conhecimentos de geografia: confundem o mundo com o mundo, sendo que o seu mundo é na realidade os EUA.
Nada de anormal. Se o sr. Prince soubesse que num canto desse mundo, em Portugal, tinha havido quem confundisse a invasão do Iraque com a festa de libertação proporcionada pelo 25 de Abril, também diria que no dicionário dos actuais responsáveis da Casa Branca se define invasão como libertação, desde que se acrescente as palavras salvíficas: democracia e valores ocidentais.

01 outubro 2007

O poder no PSD

Hoje, Marcelo Rebelo de Sousa é o grande perdedor, o comentarista mais aziago e ao mesmo tempo a principal vítima das suas adivinhações. Hoje, todos lhe batem à porta para cobrar alguma predição, algum comentário mais azedo, num ajuste de contas duro e cego, tal é a senha vingativa dos vencedores. Duarte Lima, na TSF, foi a voz cordata de quem achou que esta era altura de pôr os pontos nos ii e se transformou no acusador implacável de dedo em riste virado para Marcelo: «É uma costureirinha de bairro!»
Poderia ser apenas uma questão de se achar que no melhor pano cai a nódoa, mas a verdade é que o PSD gosta de se apresentar, como se isso fosse uma marca segura e distintiva, como sendo o mais português dos partidos e para prová-lo não quer deixar as coisas por menos: o espírito de revanche já despontou, e as trocas e baldrocas entre elites, sub-elites e zé-povinho estão aí para ilustrar que todos se alimentam uns dos outros. Canibalismo e autofagia políticos para alimentar o espectáculo mediático. Se isto é poder, quem quer o poder?