Pagar para se manifestar
O Público, “Manifestantes alugam-se para causas sem activistas“, (24/01) dá conta de uma empresa alemã, Erento, com uma página na Internet, que «aluga» manifestantes. A empresa tem em carteira cerca de 300 «manifestantes» e os preços variam consoante o tempo de ocupação: 10 a 30 euros por hora, 145 por dia. A diferença do preço à hora deverá ter origem provavelmente nas qualificações do manifestante, pois, as características pessoais de cada um, o curriculum vitae faz parte da montra à escolha…
Parece não haver limites, mas há: os «manifestantes recusam participar em reuniões de carácter racista ou xenófobo». Segundo um destes manifestantes (23 anos), este é um trabalho como qualquer outro. Segundo um outro (22 anos) este recurso a figurantes «pode dar uma falsa ideia da democracia». Para este jovem, o problema está «se os manifestantes forem da extrema-direita», portanto, quanto à «extrema-esquerda», não há problemas. Mas este «manifestante» é snob, pois, «aqueles que pagam» devem corresponder à sua «ética». Qual? Ele quer manifestar-se «pela paz, pela solidariedade e pela justiça social». Ora, cá está um manifestante de ideias convictas e vistas largas. Não é crível que ele perca algum convite para manifestar-se sobre qualquer coisa que não caiba naqueles três itens anunciados. Mas isso pouco importará se o dinheiro cai na algibeira.
Depois, há que ter em conta que quem teve a ideia pela primeira vez, foi a organização sindical alemã, a Federação Nacional dos Médicos que em Dezembro de 2006 teria pago a estudantes e a desempregados para uma manifestação frente ao Reichstag contra a reforma da saúde na Alemanha.
O que prova que a classe média é medíocre na sua lassidão e impotência para se afirmar e até reivindicar. A sua grande dose de adaptabilidade não esconde, contudo, essa incapacidade para se reconhecer como tal, salvo casos esporádicos e exemplares, como quando se veste de consumidora ofendida nos seus direitos. De resto, o que assenta que nem uma luva naquilo que a caracteriza - uma posição económica invejável, às vezes beliscada -, a ideia típica do burguês burgesso, às vezes esperto, às vezes inteligente, às vezes inovador, às vezes capaz de se olhar ao espelho e ter um olhar crítico sobre si próprio, abrange a falta de motivação e cobardia que se esconde por detrás do pagamento a outrem para manifestar-se por si. Tudo o que tem de pior está aqui condensado neste acto de puro oportunismo, de pragmatismo serôdio e de pulhice moral. Os tempos estão por aqui. Se o dinheiro compra tudo, incluindo a alma, porque não comprará também a manifestação dessa baixeza?
O mais engraçado é que se poderia pensar que os sem ética são aqueles que compram os manifestantes, e não os próprios manifestantes. Ora, nada mais errado, pois, são estes que confessam que no leque das razões porque procuram este tipo de trabalho, está naturalmente o dinheiro, sempre ele. O que se é verdade que atenua ligeiramente o grau de avareza moral, não deixa de ser, no entanto, mais um sinal óbvio que estão por tudo, como se ganhar dinheiro pudesse justificar tudo, incluindo manifestar-se por conta de outros.
Outros porventura verão nestes manifestantes a encarnação de moderníssimos actores que incentivados pelo ordenado, aproveitam para melhorar a sua capacidade performativa e darem novos passos, quiçá, em carreiras artísticas. Não deixará de ser, por isso, a performance comprada para um exercício artístico que toma o lugar de outro. Aqui, há ocupação de lugares, e a troca de actores para desempenharem o mesmo papel nem sempre se justifica, sobretudo, quando o que está em causa não é tanto o texto, mas o contexto: o da preguiça idiota de uma classe.