02 janeiro 2007

O cardeal, o papa e a morte das criancinhas

O cardeal-patriarca de Lisboa, José Policarpo, aquele que alguns viram como uma espécie de moderado dentro da igreja que faria a diferença na discussão do referendo sobre a IVG, é o mesmo que profere coisas como esta: «A vida não é um bem arbitrário de que se possa dispor ao sabor das políticas, de interesses pessoais ou mesmo de sofrimentos inevitáveis». Ao dizê-lo, Policarpo coloca-se no extremo mais conservador dos argumentos conservadores dos que defendem que a IVG nunca poderá ser justificada em nenhuma circunstância, nem mesmo face a «sofrimentos» eventualmente terríveis, mas que o sr. cardeal considera «inevitáveis». Uma mulher que pode morrer devido à gravidez e que padeça de sofrimentos extremos ver-se-ia, na óptica do sr. cardeal, constrangida a continuar com a gravidez de forma a garantir o nascimento do feto mesmo que isso se desse à custa da sua vida e à custa do «sofrimento inevitável». «Sofrimento inevitável»… Ó sr. cardeal, tanto não! Como é que se pode ser tão intolerante para os vivos querendo ser tolerante para aqueles que ainda não nasceram?
Mas, por outro lado, não é de admirar este tipo de argumentos. Quando o chefe da igreja católica, o «intelectual orgânico» Bento XVI, aquele cuja formação e trabalho daria uma capacidade intelectual acima da média, quanto mais não seja pela sua «organicidade»…, junta tudo no mesmo saco: «vítimas dos conflitos armados, do terrorismo» com «as mortes silenciosas provocadas pela fome, pelo aborto, pelas pesquisas sobre os embriões e pela eutanásia». O mais sui generis desta peroração é o facto de ao referir o aborto, Bento XVI estar a referir a morte de um embrião, mas ao referir a pesquisa sobre embriões, o «intelectual orgânico» está a explicitar propositadamente um erro na medida em que ninguém anda a matar embriões para a pesquisa científica, mas a aproveitar os embriões excedentários para esse efeito. A ideia de se produzirem embriões para a pesquisa científica é uma ideia deturpada e com efeitos práticos sobre as consciências atormentadas. Só o efeito propagandístico sobre mentes mal informadas pode justificar o uso de tão caluniosas ofensas à ciência. E no entanto sabemos que com tais objectivos vale tudo, seja que os cientistas matam embriões para fazer pesquisa científica, seja que com a IVG matam-se criancinhas ao pequeno-almoço, almoço e jantar.