19 dezembro 2006

A pressa da «esquerda moderna» e as coisas concretas

Diz E.P.C.: «Ninguém imagina que uma política de esquerda seja apenas um conjunto de princípios abstractos que só lentamente se irão concretizar. Daí que seja desejável que ela [Ségolène Royale] vença as eleições francesas. E que possamos continuar a considerar e a interrogar as suas orientações.» (Público, 19/12)
EPC descobre com Ségolène e Sócrates aquilo que deve fazer uma «esquerda moderna»: «com propostas muito concretas ligadas ao quotidiano das pessoas. Exactamente aquilo de que a esquerda precisa.» Ora:
1. Não são as «propostas concretas» que são de esquerda, ou de direita, nem pelo facto de serem apresentadas por políticos de esquerda as torna de esquerda, sobretudo, quando essas «propostas concretas» surgem como opostas àquilo que seriam os «princípios abstractos», lentos e difíceis de se concretizarem, como se o que se faz nada tenha a ver com o que se pensa (ou não…) As «propostas concretas» são de esquerda ou de direita consoante se inserem numa política de esquerda ou de direita. Mas, para EPC, uma política, que envolve naturalmente princípios «abstractos», é algo dificilmente concretizável, e entre concretizar e não concretizar, pois, que se concretizem propostas concretas, quaisquer que elas sejam! Além do mais, diz sem dizer EPC, o tempo urge, a velocidade é tal que ou se faz agora ou já não há tempo para fazer. Numa palavra: não há um fim para o movimento; o movimento é tudo (Bernstein).
2. Se não se pode ficar à espera da concretização desse «conjunto de princípios abstractos», como se a Liberdade, por exemplo, pudesse ser alguma vez concretizada, absolutamente concretizada, EPC quer resultados imediatos, coisas que se possam fazer e que revelem uma face, uma face sem princípios, a face da «esquerda moderna», a face do pragmatismo, que é a ideologia aparentemente sem ideologia, mas que na realidade é a ideologia dos resultados: se resultou é bom, se não, não é. Esta é a primeira traição do pontapé de EPC nos princípios: a ideologia do fazer sem ideologia, já é uma ideologia. Segundo: a urgência do tempo. É preciso fazer coisas concretas porque não se pode ficar à espera dos princípios. Trata-se de um argumento pela economia, pela economia do tempo, e porque o tempo é dinheiro, capitalisticamente falando, então, também se trata da economia capitalista do tempo. Pergunta Lyotard: «ganhar tempo, será um fim universalmente válido?» Tanto se «ganha tempo» ao antecipar como a adiar, consoante as situações. Mas sob o ponto de vista do capital, quanto mais tempo passar no mais curto espaço de tempo, o que quer dizer o mais depressa possível, melhor: o juro, o lucro, o rendimento está a realizar-se e a data de pagamento chegou! Toda a performance deve ter resultados imediatos, visíveis e rentáveis. Ponto final. Assim, para que servem os princípios?! Para que serve o pensamento? Se as «propostas concretas» não têm uma lógica identificadora, o que é que as torna de esquerda? A simples afirmação de que são de esquerda?