11 novembro 2006

Pode o efeito democrata dos EUA chegar a Portugal?

Primeiro: a vitória dos democratas norte-americanos dando-lhes a maioria em ambas as Câmaras, não é, contudo, a vitória de um presidente democrata. O equívoco de que doravante os democratas e os republicanos estão condenados a entenderem-se parte do pressuposto de que, com esta eleição, os democratas passam a governar mais enquanto os republicanos passam a governar menos, numa intersecção que produz uma linha de governação média entre os dois partidos. Compreende-se a ideia: é uma forma de aligeirar as responsabilidades do presidente, transferindo-as para o poder legislativo democrata.
Segundo: em contrapartida, não quer dizer que o novo poder legislativo democrata não se faça sentir a ponto de obrigar o presidente Bush a arrepiar caminho pelo menos nas políticas mais controversas dos últimos tempos, e que suscitaram durante a campanha eleitoral o interesse do eleitorado e porventura determinaram a reviravolta eleitoral. Sinal óbvio dessa influência que o poder democrata passou a ter é a cabeça de Rumsfeld ter sido entregue como se fosse uma demissão , a cabeça de uma figuras bem representativa do que de mais sinistro tinha a afirmação dos EUA como a única potência global. Esta sobranceria norte-americana teve o seu apogeu nas circunstâncias que rodearam a invasão do Iraque e no modo como atropelaram as convenções internacionais, ajudando a criar divisões na comunidade internacional de que foram exemplo paradigmático a distensão entre os EUA e a Europa e, no seio desta, entre os países apoiantes da administração Bush e os que se mantiveram distantes da tentação norte-americana.
Terceiro: as políticas de uma potência como os EUA não se fazem sem os seus arautos pelos quatro cantos do mundo, sem os seus defensores primorosos e adeptos incansáveis sem sono, alguns dos quais sentem mais na pele a dor de servir bem do que os próprios norte-americanos. Esta gente que no seu afã laborioso de defesa das políticas norte-americanas consegue ser mais norte-americana do que os próprios, esta gente que é capaz de deixar de pensar com a sua própria cabeça para usá-la como caixa de amplificação das mensagens que o velho poder norte-americano transmitia, prestou naturalmente um serviço quiçá importante no que respeita à criação e preparação de uma opinião pública mais favorável àquelas causas, mas, na hora em que tudo tem de ser questionado, o lugar das pessoas deve ser posto à prova no sentido de se saber se os mesmos mensageiros devem ou não permanecer nos cargos que tão bem exerceram, no sentido de se saber se estão ou não aptos a desempenhar um novo papel nas novas condições criadas pela mudança inevitável do tipo de mensagem.
Quarto: é aqui que entram os mensageiros portugueses, os comentadores, os jornalistas, os directores de jornais. Particularmente, daqueles jornais que atravessam tempos conturbados pela necessidade de reestruturações, e em que todos os lugares ficam à disposição das administrações. Se a responsabilidade não é apenas daqueles que não têm poder de decisão, mas recai sobre os que decidem sobre a qualidade da mensagem, apregoando-a aos quatro ventos como prova da sua capacidade transmissora, como demonstração da eficácia da caixa de ressonância em que um jornal pode ser transformado, então, o director de um jornal assim deve naturalmente assumir as suas responsabilidades e demitir-se. Mesmo que isso não esteja escrito no livro de estilo. E mesmo que, agora, mude de opinião para acompanhar de mãos aparentemente lavadas os novos ventos.