08 novembro 2006

O argumento de Louçã

É intrigante que Louçã tenha dito que os bloquistas rejeitam discutir «conceitos abstractos de qualquer tipo» porque o que querem é saber se os portugueses «aceitam ou não que continuem a existir julgamentos». O que querem, diz Louçã, é que «as pessoas se confrontem com a sua consciência, sabendo que, qualquer que seja a sua opinião, não podem ser cúmplices da condenação das mulheres». (Público, 6, Nov.) Ora, a rejeição da discussão de «conceitos abstractos de qualquer tipo» só pode ser entendida em um dos sentidos seguintes:
1. Loução tem pavor dos «conceitos abstractos» e para pensar dispensa-os, o que é uma contradição nos termos, pois, pensar sem conceitos abstractos é capaz de ser um bocado difícil, ou mesmo de todo impossível. Pensar é abstrair, dizia Borges.
2. Mas porquê esse pavor? Lembrar-se-á Louçã do debate com Portas, na parte final, em que atirou que Portas não podia falar sobre o assunto (o aborto) porque não era pai, enquanto ele, Louçã, podia fazê-lo porque tinha uma filha? E que, no dia seguinte, os jornalistas tinham descoberto que o seu argumento final não passava de um argumento pessoal e de autoridade, e que tanto insistiram que Louçã viu-se forçado a reconhecer o seu erro, justificando-se pela falta de experiência neste tipo de debates?
3. Talvez que o que Louçã queira seja evitar, na discussão da campanha para o «sim» ao aborto, que o debate seja excessivamente técnico, enredado na retórica dos argumentos infindáveis, sejam a favor do «sim» ou a «favor» do não, em que cada argumento é mais forte porque «demonstrou» a fraqueza do argumento do adversário, ainda que nunca seja possível chegar a uma conclusão absolutamente verdadeira. Ainda assim, ainda que Louça possa pretender que não se discutam as teorias, as teses, os princípios que sustentam os diferentes argumentos a favor ou contra o aborto, isso não pode significar que a melhor via, sobretudo no que respeito ao esclarecimento, não seja aquela que passa pelo esforço de racionalização do problema e da sua compreensão teórica. Pode é não ser o caminho mais eficaz para o objectivo pretendido, mas isso é outro problema, o problema da eficácia de qualquer campanha. Depois, cada um usa os meios que julga dever usar…
4. É óbvio que Louça quer uma campanha condicionada ao seu argumento: As mulheres presas por abortarem provocam problemas de consciência. Ninguém quer ter problemas de consciência. Logo, descriminalize-se o aborto.
É um argumento. Mas não deixa de ser um argumento muito, muito fraquinho, sobretudo para orientar a racionalidade numa campanha pró IVG. A não ser que o propósito seja esse, o de não alimentar muitas «confusões» à volta do assunto e ir directamente ao que interessa, sem «conceitos abstractos».