15 outubro 2006

Professores e coronéis

O primeiro-ministro achou por bem comparar o que se passa com a carreira dos professores do ensino não superior com a tropa e naquele seu jeito peculiar de sintetizar uma ideia e passar à frente, despachou que ninguém pode entrar na tropa e esperar ser coronel, pelo que, subentendia-se, nenhum professor deveria entrar na carreira e querer chegar ao topo. O exemplo da tropa para compor a analogia é péssimo pois nenhum soldado raso entra na tropa com a pretensão de, em princípio, chegar a coronel, mas em qualquer profissão o que é esperado é que com o trabalho, com a formação, com a experiência, qualquer um possa esperar chegar ao topo da sua carreira. Essa é uma esperança legítima em qualquer profissão.
Ora, o erro do primeiro-ministro e da ministra da educação é o de julgarem a profissão de professor com as etapas de progressão que ela não tem, isto é, não se espera, por princípio, que um professor primário progrida na carreira passando para a categoria de professor do 2.º ciclo (antigo preparatório), nem que um professor do 2.º ciclo progrida para o 3.º ciclo, nem que um do 3.º ciclo progrida para o ciclo do ensino secundário, nem que um professor do secundário progrida para o ensino superior, não que esta progressão não seja possível (e esta sim, é que é comparável à progressão até coronel depois de ter sido soldado raso, ou até chefe de departamento depois de ter sido estafeta…) Quer dizer que, a haver a introdução de escalões de diferenciação na progressão da carreira dos professores ter-se-ia de começar por estabelecer uma carreira de tipo vertical como a do exemplo da tropa de Sócrates - de soldado raso a coronel, de estafeta a chefe de departamento, e por aí fora -, cujos diferentes patamares seriam exactamente os ciclos ocupados pelos professores ao longo da carreira que iria desde professor do 1.º ciclo até professor do ensino secundário, e depois deste, até ao ensino superior. Nesta hipótese é que o primeiro-ministro poderia argumentar que todos os professores ambicionariam chegar ao topo, mas que não poderiam lá chegar todos, como é óbvio, servindo, aqui sim, a analogia dos coronéis por nem todos os soldados chegarem lá.
Agora, como a carreira está estruturada, uma espécie de carreira horizontal em que todos os professores, educadores de infância, do 1.º, do 2.º e do 3.º ciclos, e do secundário, regem-se pela mesma bitola saltando de escalões sem mudarem de posto, introduzir a figura de «professor titular» distinta do comum «professor» é de uma pobreza franciscana e de uma irracionalidade burocrática (apesar da racionalidade económica), que é impensável pensar como num espaço de uma escola poderão coabitar pacificamente professores «titulares» e simplesmente «professores» quando uns, a maioria, sabe que à partida, nunca poderá chegar a …coronel? Os professores lá saberão as linhas com que se cosem, mas a analogia do primeiro-ministro é manifestamente infeliz e põe a nu o que pretende atingir a partir de uma realidade que tanto quanto se sabe não existe.