10 outubro 2006

A Nato no Afeganistão

A NATO assumiu a maior parte da responsabilidade das tropas estrangeiras no Afeganistão, num momento em que o regresso dos talibãs já não é uma miragem do passado, nem a intervenção da Al-Qaeda uma hipótese distante. Pelo contrário, o aumento dos ataques bombistas e suicidas na capital Cabul, os combates a sul do país, perto da fronteira com o Paquistão, a política de apaziguamento com os apoios que os talibãs recebem dentro do Paquistão, junto da fronteira, a intensificação da economia paralela do ópio - a única economia que para além da da guerra funciona - a par do imenso deserto de oportunidades que as novas autoridades afegãs têm nos braços, tudo isto cria um clima de duvidosas esperanças sobre as verdadeiras capacidades da NATO e representam um desafio que esta instituição «não pode perder» sob pena de deitar fora o capital de expectativas que granjeou e tem granjeado ao longo do tempo, não porque alguma vez tenha imposto o seu poderio militar nalgum lado, mas porque uma Aliança de países tão fortes militarmente, tão desenvolvidos economicamente, tão evoluídos culturalmente, cria com toda a naturalidade ideia de uma força poderosa a que nada poderá obstar. A prova do Afeganistão será a primeira prova de fogo a sério? A História ensina que nestas coisas nem sempre o que se espera acontece.
Slavoj Zizek, no livro Bem-Vindo ao Deserto do Real, advogando que estaríamos a aprender a passar do real dos textos para o verdadeiro real, interroga-se sobre «a quem devemos replicar». E responde: «Qualquer que seja a resposta, ela não pode designar o verdadeiro alvo e satisfazer-nos completamente. O ridículo de uma América atacando o Afeganistão é um caso típico: ao bombardear um dos países mais pobres do mundo, onde os camponeses mal conseguem sobreviver nas colinas áridas, não estará o país mais poderoso do mundo a mostrar a sua própria impotência? Aliás, o Afeganistão é o alvo ideal: um país reduzido a pó, sem infra-estruturas, regularmente devastado pela guerra nestes últimos vinte anos… Não podemos evitar pensar que a escolha do Afeganistão deve ter sido determinada por considerações de ordem económica: haverá um melhor médium para exprimir a sua cólera do que um país que não preocupa ninguém e onde não há nada para destruir? Infelizmente, a escolha do Afeganistão não pode deixar de nos fazer pensar na anedota do louco que procura a sua chave à luz de um candeeiro: quando lhe perguntam porque a procura ali quando a perdeu num canto escuro, ele responde: «É mais fácil encontrá-la à luz de um candeeiro!» Não será a ironia suprema que, antes dos bombardeamentos do exército americano, já toda a cidade de Cabul se parecesse com o centro de Manhattan depois do 11 de Setembro…? A «guerra contra o terrorismo funciona portanto como uma comédia, cuja verdadeira finalidade consiste em fornecer-nos uma convicção falsa e tranquilizadora de que nada mudou verdadeiramente» (pp.57-58).
Zizek parece querer dizer que os EUA perderam a cabeça com a tragédia do 11 de Setembro. Havia alguém que dizia que depois da tragédia vem a comédia. Sobretudo quando o que está em causa é a vingança e o pôr na ordem os países traquinas que ofenderam o papá, psicanaliticamente falando. Afeganistão e Iraque são países sob reprimenda imperial. Mas nunca o Império esteve tão débil como agora aparenta, a ponto de esconder-se sob a capa diáfana da NATO.