05 outubro 2006

O engano dos estudantes

Segundo algumas ideias feitas, os estudantes continuariam a fugir dos cursos «difíceis» até porque os exames de Matemática do 9.º ano e de outros anos comprovariam os resultados continuadamente negativos nesta disciplina.
Talvez a questão seja outra, a começar por esta: onde estão os jovens?
Nos cursos de Medicina, da 1.ª-fase de candidatura sobraram 11 de 1347 vagas. Já é de estranhar que tenha sobrado esta quase dezena de vagas, mas admirar-nos-emos menos ao saber que, ao todo, sobraram 16.762 vagas da candidatura ao ensino superior da 1.ª fase, em cursos que vão desde Medicina, passando por Arquitectura, contabilidade, Direito, até aos Estudos Portugueses e Românicos e a Línguas Modernas.
Esta situação esclarece a ideia de que os estudantes preferem apenas os cursos mais «fáceis» e a ideia de que as universidades teriam dificuldades em captar estudantes para os seus curso «difíceis», quando na realidade essa dificuldade é comum aos «difíceis» e aos «fáceis», pois há menos estudantes quer nuns cursos quer noutros.
A descida do número de alunos candidatos a um lugar na universidade não acontece por acaso, nem apenas por uma questão de abaixamento da taxa de natalidade. É preciso ter em conta que se começam a obter reais resultados - não quantificáveis, tal como não o foram ainda no que respeita ao aumento das propinas - da intensa crítica mediática dos tempos do escorregadio Durão Barroso ao facto de «toda a gente» querer tirar um curso superior. Acrescente-se a isto a não menos intensa campanha ainda em vigor contra os chamados «cursos de humanidades» e a favor dos cursos técnico-científicos, que naturalmente tem ajudado a mudar as opções dos estudantes no secundário, deslocando-os daqueles cursos para estes, sem que no entanto isso signifique uma melhoria significativa do sucesso escolar.
Se admitíssemos que os estudantes andavam enganados, não menos legítimo seria interrogarmo-nos sobre quem, agora, os engana ou força ao engano e sobre quê é que são enganados.

PS: É elucidativo que Marcelo Rebelo de Sousa tenha referido o «absurdo» que é «querer matar-se a filosofia no nosso ensino» (Sol, 30(09/06).