31 outubro 2006

Eduardo Prado Coelho e o parque de estacionamento

A crónica (Público, 27/10) contristada de EPC sobre o parque de estacionamento que o atormenta parece um comentário de um filme de terror. Termina assim: «Há qualquer coisa de mesquinho e desrespeitoso na forma de ganância como tudo foi concebido.»
Já antes EPC queixou-se da descida aos infernos no parque de estacionamento do Corte Inglés, o que leva à questão de se saber se o mal é só do parque. EPC consegue questionar a sua condução, a sua habilidade para conduzir num parque de estacionamento? Julgará EPC que as colunas dos parques de estacionamento se movimentam e saltitam de um lado para outro, perseguindo-o?

Só o DN de 27/10 fala de 3 grupos: o Círculo de Eça de Queirós, o grupo do Encontro do Círculo e a tertúlia É a Cultura, Estúpido, este último demonstrando um forte pendor norte-americano. O segundo parece que conspira na casa do primeiro. Só faltará que trabalhem todos para a mesma conspiração.

Miguel S.T. defende que «não deveria ser possível abrir um blogue sem o autor ser identificado e tecnicamente confirmado». Tudo controlado, disciplinado, assim numa espécie de Big-Brother chinês. Vinda de quem vem, a ideia só pode ser vista como a tirada de um momento infeliz devido à história do hipotético plágio

Meryl Steep: «As actrizes agora são brigadas a criar um glamour maior e a terem de se sexualizar enquanto mulheres. Não é por acaso que têm de aparecer na sua versão lingerie. Só lhes dão capa capaz se elas aparecerem nessa versão sexual…» (Suplemento do DN, 6.ª, 27/10). A capa da Vanity Fair com Scarlett Johansson e Keira Knightley nuas ao lado de Tom Ford deixou-a «triste» e acrescenta: «Gostava que essas coisas desaparecessem. Em vez disso, esses compromissos estão cada vez mais presentes.» Talvez possa ser um certo pudor em exagero, mas também pode ser uma crítica genuína de Meryl Sreep ao estereótipos de Hollywood.

28 outubro 2006

Sobre o caso do «plágio» de Miguel Sousa Tavares

José Manuel Fernandes anda zangado: «Neste país de cobardes sem rosto que intrigam pelas costas … isolar e extirpar esta pestilência» (Público, 27/10). Qual justiceiro indignado que descobre a injustiça do mundo, JMF aparenta perder a cabeça e querer fazer justiça com as suas próprias mãos, ou com a ajuda do «bom jornalismo-cidadão da blogosfera». Tudo isto é legítimo. No entanto, há que pôr uma questão: se é verdade que o modo como o autor do blogue Freendomtocopy actua é censurável e intolerável, como fica aquilo que ele diz: faz-se de conta que não existe, que nunca existiu? Ou deplora-se o modo e perante a questão, investiga-se e analisa-se?
Ora, JMF longe de resolver o assunto com as suas leituras, julga ter analisado a questão e até diz que há «coincidências», até diz mais, que «Seja lá como for, e mesmo podendo discutir se tais passagens são ou não muito parecidas…» Então, discuta, e não se esconda o facto pela torpeza do modo como ele foi levantado publicamente.
Quanto ao modo como Miguel Sousa Tavares reage, está à altura. Peito aberto, ferido na honra, está disposto não só a socorrer-se dos tribunais, o que é legítimo, como ainda a tirar desforro pessoal, o que não fica bem. Parece agir de cabeça desnorteada quando o que lhe era pedido era duas coisas: uma, contenção em vista do esclarecimento que poderia prestar, se é que achava que devia algum esclarecimento; outra, que reagisse como uma pessoa adulta em cidadania, fazendo o que tem de fazer no que respeita à resolução destes casos: tribunais, providências, advogados, etc., etc. Escusava, assim, de baixar-se ao nível dos que acusa como sendo autores da blasfémia contra si.

27 outubro 2006

As motivações do deputado António Pires de Lima

O sr. deputado Pires de Lima, do CDS-PP, o mesmo do «partido sexy», das «espanholas», justificou que a sua saída para administrador da Unicer se devia a «motivações político-partidárias». A Unicer é uma empresa produtora de cervejas e constituir uma «motivação político-partidária» é uma aldrabice chapada de que o sr. deputado não se envergonhou de fazer, mesmo que possa alegar em sua defesa que o novo regime que regula este tipo de «saídas» só entrará em vigor para o próximo ano. É que, assim, não há «partido sexy» nem «espanholas» que o valha, politicamente falando, porque, quanto ao lado lúdico, a Unicer deve garantir-lhe uma excelente estadia, com ou sem «espanholas» e longe do «partido sexy».

22 outubro 2006

Mais Rivolição

Ricardo Alves, director do Teatro da Palmilha Dentada, no artigo O Rivoli, o Porto e a cultura (Público, hoje), explicita a sua concepção sobre as relações entre o Estado e a cultura. Uma primeira ideia forte é aquela em que defende a «intervenção do Estado na área cultural». Outra ideia que serve de argumento à primeira, é a seguinte: «Não é a arte que é subsidio-dependente; é o país que o é, e em demasiadas áreas». E justifica: «Tenho como certo que se o Estado central, tal como está a fazer a Câmara do Porto, cortar todos os apoios aos grupo e festivais de teatro e dança da cidade, mesmo assim o teatro e a dança não desapareceriam completamente. O contrário já não se poderá dizer. Se os que sobem ao palco deixassem de o fazer sem estar assegurado um meio de subsistência digno, a produção de dança e teatro no Porto seguramente pararia. Não são os criadores que são subsidio-dependentes do Estado, é o estado que é dependente dos criadores. São eles que subsidiam o estado.» O que Ricardo Alves parece querer dizer é que se o estado deixasse de subsidiar a cultura (na forma de teatro), a cultura não parava (o que provava que havia mais gente e acção teatral para além dos subsídios). Se fosse ao contrário, diz Ricardo Alves, isto é, se parassem os agentes culturais (do teatro), não havia nada para ninguém. Conclusão, diz Ricardo Alves, a dependência está no Estado em relação à cultura e não a cultura em relação ao Estado. Conclusão implícita, que Ricardo Alves não se atreveu a retirar: Logo, o Estado deve pagar se quer cultura.
Há aqui dois problemas distintos. Um, seria considerar, por meio desta conclusão, que só há cultura (nomeadamente, a teatral) quando o Estado a subsidia (paga). O que não está provado. O outro problema respeita ao caso concreto do Porto. Quando uma autarquia como a do Porto parece querer virar as costas à cultura, numa espécie de sobranceria relativamente a este tipo de actividades encaradas como desperdício de dinheiros públicos, alienando equipamentos que parece não lhe fazerem falta, isto é, quando a política cultural da Câmara do Porto parece ser a de cultivar o deserto cultural, poupando, a questão não passa a ser, não a de se o Estado deve subsidiar ou não a cultura, mas, no caso concreto do Porto, se é legítimo perante uma política de abstenção cultural pugnar pela defesa de uma política para a cultura? O que passa obviamente pela defesa de espaços de acção cultural e pela defesa dos meios que permitam aos agentes culturais neles intervirem.

21 outubro 2006

Sobre Os Grandes Portugueses

Uma pequena polémica marcou, com o efeito publicitário desejado, o anúncio do programa Os Grandes Portugueses. De um momento para outro, parecia que a grande questão nacional era se Salazar deveria constar ou não da lista das personalidades portuguesas potencialmente candidatas ao título de Grande Português. O mais cómico da situação foi não se ter percebido que o que estava em causa era um programa de entretenimento e que a participação dos portugueses é a estratégia adequada à garantia de uma grande audiência e que faz todo o sentido para este efeito que o público «sinta» a ausência de um eventual candidato a grande português, provocando alarido a este propósito. Não há - nem tinha de haver, dados os objectivos do programa - critérios suficientemente abalizados para escolher e eleger os grandes portugueses, a não ser o da participação popular, o do voto dos telespectadores que elegerá «num debate aceso, animado e divertido» o melhor de entre 10 escolhidos para a segunda fase. Assim, não se pode querer recolher ciência certa quando o que este programa, nos seus moldes, apenas pode devolver é a poeira que recolhe da participação popular.
O problema não é portanto Salazar ou qualquer outro do mesmo gabarito, constar ou não da lista da RTP1, mas o da opinião expressa pelo «voto democrático». Contraposto a este, seria interessante que uma equipa de historiadores, ou de especialistas de diferentes áreas, se pronunciasse, através de critérios pertinentes, objectivos e rigorosos, sobre quem de entre as figuras públicas portuguesas mereceria esse título de Grandes Portugueses. De um lado a voz do povo, de outro, a voz de um grupo de especialistas. Deveria ser interessante, sobretudo se este comité conseguisse trabalhar e levar até ao fim, apesar das divergências, o seu trabalho.
Sem nunca esquecer que Os Grandes Portugueses está feito para parecer um grande programa para grandes escolhas.

17 outubro 2006

Rivolição

Por muito experiência que tenhamos da surpresa, nunca estamos completamente prevenidos para não sermos surpreendidos por discursos que ultrapassam a rotina. A síntese (Público, 17/10/06) do manifesto dos ocupantes do Rivoli é bastante significativa a este propósito. O primeiro ponto diz: «Garantias de que o Rivoli não será gerido e programado em função da maior ou menor rentabilidade dos espectáculos, da submissão aos interesses do executivo da câmara, da visibilidade mediática ou da pretensa acessibilidade.» A utopia da cultura está toda aqui contida: não há nenhum requisito que condicione a gestão e programação da instituição cultural, nem «rentabilidades», nem «interesses do executivo», nem «mediatismos» nem sequer o juízo do público sobre se a programação é acessível ou exigente, se é clássica ou popular, se é para todos ou só para alguns. Nada disto, apenas o espectáculo incondicionado, de forma absoluta, porventura, finalmente, a realização do sonho nietzschiano da obra de arte completa do criador que é simultaneamente a obra e o seu espectador. Imagine-se, eles, os da Rivolição, criando a obra que contemplam, hoje, aqui e agora, autores da obra absoluta não sujeita a qualquer critério de apreciação estética nem submetida a qualquer critério de avaliação de qualquer espécie, criadores absolutos, donos exclusivos de si próprios, senhores da imaginação criadora total, sublimes de génio criativo como só os deuses poderiam se existissem, e, espectadores singulares da sua própria obra e da sua capacidade criadora, narcísicos neuroticamente apaixonados, incondicionalmente, por si próprios e pela sua própria obra, como se a obra de arte que se cria, que se faz e se contempla, simultaneamente, devesse ser completa, utópica, incondicional, absoluta. Nem Nietzsche teria pensado na violência de tanta perfeição para a criação estética, na necessidade extrema da afirmação do incondicionado na criação artística.
A segunda exigência dos ocupantes da Rivolição não é menos surpreendente: «Garantias de que os núcleos de produção da cidade terão acesso e lugar no seu teatro municipal, sem prévia censura política e segundo critérios que visem tão-só a manutenção de uma programação de qualidade.» Baixando um pouco à terra, estabelece-se que todos têm acesso ao Rivoli, que é assumidamente de todos, do povo, da cidade, deles, de quem quiser estar no «seu teatro municipal», desde que aceite «critérios» com um único objectivo, o da «qualidade». Não faria sentido que outro critério pudesse ser estipulado depois de se ter querido o incondicionado da arte. Mas, há sempre um problema à volta da qualidade, pois, se esse problema não está na obra de arte acaba por se encontrar no público - que não é utopicamente perfeito - que aprecia a obra de arte, do que resulta a necessidade de este ser «educado», formado, alimentado pelo gosto da obra de arte perfeita e que ele, à partida, não entende, o que não constitui um problema de «acessibilidade» da obra, mas um problema de formação de públicos, algo já há muito detectado na média da qualidade dos espectadores por essa Europa fora. A terceira exigência do manifesto da Rivolição vai neste sentido da educação do público: «Garantias de que a direcção do Rivoli pugnará pela formação contínua do público». A ideia é simples: se a obra de arte não conquista o público, então o público tem de ser educado para a obra de arte.
Estas reivindicações são utopicamente de outro mundo e no entanto necessárias para nos surpreenderem pelos sonhos que acarretam. Para não ficarmos apenas surpreendidos pelos 50000 portugueses que já terão visto o Filme da Treta.

15 outubro 2006

Professores e coronéis

O primeiro-ministro achou por bem comparar o que se passa com a carreira dos professores do ensino não superior com a tropa e naquele seu jeito peculiar de sintetizar uma ideia e passar à frente, despachou que ninguém pode entrar na tropa e esperar ser coronel, pelo que, subentendia-se, nenhum professor deveria entrar na carreira e querer chegar ao topo. O exemplo da tropa para compor a analogia é péssimo pois nenhum soldado raso entra na tropa com a pretensão de, em princípio, chegar a coronel, mas em qualquer profissão o que é esperado é que com o trabalho, com a formação, com a experiência, qualquer um possa esperar chegar ao topo da sua carreira. Essa é uma esperança legítima em qualquer profissão.
Ora, o erro do primeiro-ministro e da ministra da educação é o de julgarem a profissão de professor com as etapas de progressão que ela não tem, isto é, não se espera, por princípio, que um professor primário progrida na carreira passando para a categoria de professor do 2.º ciclo (antigo preparatório), nem que um professor do 2.º ciclo progrida para o 3.º ciclo, nem que um do 3.º ciclo progrida para o ciclo do ensino secundário, nem que um professor do secundário progrida para o ensino superior, não que esta progressão não seja possível (e esta sim, é que é comparável à progressão até coronel depois de ter sido soldado raso, ou até chefe de departamento depois de ter sido estafeta…) Quer dizer que, a haver a introdução de escalões de diferenciação na progressão da carreira dos professores ter-se-ia de começar por estabelecer uma carreira de tipo vertical como a do exemplo da tropa de Sócrates - de soldado raso a coronel, de estafeta a chefe de departamento, e por aí fora -, cujos diferentes patamares seriam exactamente os ciclos ocupados pelos professores ao longo da carreira que iria desde professor do 1.º ciclo até professor do ensino secundário, e depois deste, até ao ensino superior. Nesta hipótese é que o primeiro-ministro poderia argumentar que todos os professores ambicionariam chegar ao topo, mas que não poderiam lá chegar todos, como é óbvio, servindo, aqui sim, a analogia dos coronéis por nem todos os soldados chegarem lá.
Agora, como a carreira está estruturada, uma espécie de carreira horizontal em que todos os professores, educadores de infância, do 1.º, do 2.º e do 3.º ciclos, e do secundário, regem-se pela mesma bitola saltando de escalões sem mudarem de posto, introduzir a figura de «professor titular» distinta do comum «professor» é de uma pobreza franciscana e de uma irracionalidade burocrática (apesar da racionalidade económica), que é impensável pensar como num espaço de uma escola poderão coabitar pacificamente professores «titulares» e simplesmente «professores» quando uns, a maioria, sabe que à partida, nunca poderá chegar a …coronel? Os professores lá saberão as linhas com que se cosem, mas a analogia do primeiro-ministro é manifestamente infeliz e põe a nu o que pretende atingir a partir de uma realidade que tanto quanto se sabe não existe.

11 outubro 2006

Cavaco e a prostituição

O presidente Cavaco Silva anda a trabalhar pela inclusão, o que é louvável. Que no âmbito de tão nobre causa julgue dever pronunciar-se, pessoalmente ou por interposto assessor, sobre a prostituição, porventura ainda «chocado» com o que ouviu, talvez já seja excessivo e extravase o que lhe é pedido nas circunstâncias. De facto, ao dizer que não se «pode legalizar algo que é um atentado contra os direitos humanos» (terá dito de viva voz ou pela voz de outrem), Cavaco deixa sair o seu estado de alma moralista, julgando que por ser presidente terá direito a considerar o que é «legal» ou não, e a ajuizar sobre o que atenta ou não «contra os direitos humanos». É estranho, por outro lado, que nenhum dos assessores que o acompanha não o tenha aconselhado ou avisado que o tema da prostituição é um assunto escorregadio e que é perigoso deixar escapar o que lhe vem à cabeça, sem mais nem menos. Não que não tenha o direito de pensar com a sua própria cabeça. Mas não tem o direito de pensar pela cabeça de cada um dos portugueses exarando sentenças que ilegalizam a prostituição e que a colocam ao lado dos «atentados contra os direitos humanos».
Ficamos a saber que esta douta cabeça presidencial considera que a prostituição legalizada, por exemplo, na Holanda, que é uma actividade capitalista, funcionando de acordo com todas as regras do mercado, incluindo aquela bem liberal de que tudo se vende e tudo se compra - haja mercado! - é, para sua excelência, um «atentado contra os direitos humanos». Haja fé!

10 outubro 2006

A Nato no Afeganistão

A NATO assumiu a maior parte da responsabilidade das tropas estrangeiras no Afeganistão, num momento em que o regresso dos talibãs já não é uma miragem do passado, nem a intervenção da Al-Qaeda uma hipótese distante. Pelo contrário, o aumento dos ataques bombistas e suicidas na capital Cabul, os combates a sul do país, perto da fronteira com o Paquistão, a política de apaziguamento com os apoios que os talibãs recebem dentro do Paquistão, junto da fronteira, a intensificação da economia paralela do ópio - a única economia que para além da da guerra funciona - a par do imenso deserto de oportunidades que as novas autoridades afegãs têm nos braços, tudo isto cria um clima de duvidosas esperanças sobre as verdadeiras capacidades da NATO e representam um desafio que esta instituição «não pode perder» sob pena de deitar fora o capital de expectativas que granjeou e tem granjeado ao longo do tempo, não porque alguma vez tenha imposto o seu poderio militar nalgum lado, mas porque uma Aliança de países tão fortes militarmente, tão desenvolvidos economicamente, tão evoluídos culturalmente, cria com toda a naturalidade ideia de uma força poderosa a que nada poderá obstar. A prova do Afeganistão será a primeira prova de fogo a sério? A História ensina que nestas coisas nem sempre o que se espera acontece.
Slavoj Zizek, no livro Bem-Vindo ao Deserto do Real, advogando que estaríamos a aprender a passar do real dos textos para o verdadeiro real, interroga-se sobre «a quem devemos replicar». E responde: «Qualquer que seja a resposta, ela não pode designar o verdadeiro alvo e satisfazer-nos completamente. O ridículo de uma América atacando o Afeganistão é um caso típico: ao bombardear um dos países mais pobres do mundo, onde os camponeses mal conseguem sobreviver nas colinas áridas, não estará o país mais poderoso do mundo a mostrar a sua própria impotência? Aliás, o Afeganistão é o alvo ideal: um país reduzido a pó, sem infra-estruturas, regularmente devastado pela guerra nestes últimos vinte anos… Não podemos evitar pensar que a escolha do Afeganistão deve ter sido determinada por considerações de ordem económica: haverá um melhor médium para exprimir a sua cólera do que um país que não preocupa ninguém e onde não há nada para destruir? Infelizmente, a escolha do Afeganistão não pode deixar de nos fazer pensar na anedota do louco que procura a sua chave à luz de um candeeiro: quando lhe perguntam porque a procura ali quando a perdeu num canto escuro, ele responde: «É mais fácil encontrá-la à luz de um candeeiro!» Não será a ironia suprema que, antes dos bombardeamentos do exército americano, já toda a cidade de Cabul se parecesse com o centro de Manhattan depois do 11 de Setembro…? A «guerra contra o terrorismo funciona portanto como uma comédia, cuja verdadeira finalidade consiste em fornecer-nos uma convicção falsa e tranquilizadora de que nada mudou verdadeiramente» (pp.57-58).
Zizek parece querer dizer que os EUA perderam a cabeça com a tragédia do 11 de Setembro. Havia alguém que dizia que depois da tragédia vem a comédia. Sobretudo quando o que está em causa é a vingança e o pôr na ordem os países traquinas que ofenderam o papá, psicanaliticamente falando. Afeganistão e Iraque são países sob reprimenda imperial. Mas nunca o Império esteve tão débil como agora aparenta, a ponto de esconder-se sob a capa diáfana da NATO.

07 outubro 2006

Como defender os funcionários públicos?

António Perez Metelo, em “A Armadilha” (DN, 6/10), analisa a sorte que têm aqueles trabalhadores que, por trabalharem para o estado, atravessam uma fase em que tudo lhes é pedido. Eles ganham muito, apesar de terem mais habilitações que os trabalhadores do privado; eles são muitos, pelo que se não morrem todos juntos, há que ir renovando os quadros segundo o critério da reforma de muitos e entrada de poucos; os supranumerários são uma incógnita, pois, nunca se sabe em que é que resulta um «supranumerário»; e uma medida poderosa: fazer o «salário real» diminuir «com ajustes anuais inferiores à inflação esperada».
Mas, acrescenta Metelo: «Os sindicatos, perante isto, só podem tentar travar esta trajectória, que não vai acabar em 2007. Mas, nos últimos anos, não mobilizaram forças suficientes para o conseguir

06 outubro 2006

Não há almoços grátis?!

José Miguel Júdice lamenta-se hoje, no seu artigo intitulado “Noronha do Nascimento, mesmo sem almoço” (Público), de Noronha do Nascimento, depois de há cinco (cinco!) ter-lhe oferecido um almoço e tê-lo incentivado a liderar o «movimento reformista da justiça em Portugal» nunca mais ter dito nada. Ficaram ambos de falar sobre o assunto, divulga Júdice, num hipotético almoço retributivo que deveria caber a Noronha do Nascimento. «Infelizmente», diz Júdice, o dito almoço «nunca aconteceu». Pelo menos, até hoje.

05 outubro 2006

O engano dos estudantes

Segundo algumas ideias feitas, os estudantes continuariam a fugir dos cursos «difíceis» até porque os exames de Matemática do 9.º ano e de outros anos comprovariam os resultados continuadamente negativos nesta disciplina.
Talvez a questão seja outra, a começar por esta: onde estão os jovens?
Nos cursos de Medicina, da 1.ª-fase de candidatura sobraram 11 de 1347 vagas. Já é de estranhar que tenha sobrado esta quase dezena de vagas, mas admirar-nos-emos menos ao saber que, ao todo, sobraram 16.762 vagas da candidatura ao ensino superior da 1.ª fase, em cursos que vão desde Medicina, passando por Arquitectura, contabilidade, Direito, até aos Estudos Portugueses e Românicos e a Línguas Modernas.
Esta situação esclarece a ideia de que os estudantes preferem apenas os cursos mais «fáceis» e a ideia de que as universidades teriam dificuldades em captar estudantes para os seus curso «difíceis», quando na realidade essa dificuldade é comum aos «difíceis» e aos «fáceis», pois há menos estudantes quer nuns cursos quer noutros.
A descida do número de alunos candidatos a um lugar na universidade não acontece por acaso, nem apenas por uma questão de abaixamento da taxa de natalidade. É preciso ter em conta que se começam a obter reais resultados - não quantificáveis, tal como não o foram ainda no que respeita ao aumento das propinas - da intensa crítica mediática dos tempos do escorregadio Durão Barroso ao facto de «toda a gente» querer tirar um curso superior. Acrescente-se a isto a não menos intensa campanha ainda em vigor contra os chamados «cursos de humanidades» e a favor dos cursos técnico-científicos, que naturalmente tem ajudado a mudar as opções dos estudantes no secundário, deslocando-os daqueles cursos para estes, sem que no entanto isso signifique uma melhoria significativa do sucesso escolar.
Se admitíssemos que os estudantes andavam enganados, não menos legítimo seria interrogarmo-nos sobre quem, agora, os engana ou força ao engano e sobre quê é que são enganados.

PS: É elucidativo que Marcelo Rebelo de Sousa tenha referido o «absurdo» que é «querer matar-se a filosofia no nosso ensino» (Sol, 30(09/06).

03 outubro 2006

A mentira do primeiro-ministro húngaro

O primeiro-ministro húngaro vai pedir um voto de confiança ao parlamento. Ao que parece, Ferenc Gyurcsan terá consciência que estarão em discussão não apenas as medidas difíceis para controlar a economia, como também e sobretudo a sua «conduta pessoal», isto é, o facto de ter reconhecido publicamente que tinha mentido.
Resta saber o que ele julga que vai mesmo a votos: se a sua mentira, se o reconhecimento da sua mentira, ou seja, a verdade da mentira. É muito provável que ele seja julgado nas ruas pela mentira e julgado no parlamento pela verdade. O que é que será mais poder? O discurso mais convincente costuma ser o mais forte…

02 outubro 2006

Sindicato contra trabalhadores ou trabalhadores contra sindicatos?

A União dos Sindicatos de Viseu está contra os trabalhadores da fábrica Johnson Controls de Nelas porque, apesar do anunciado despedimento, os trabalhadores:
1) não estão «indignados» pelo próximo encerramento da fábrica;
2) não se recusam a fazer horas extraordinárias durante o fim de semana;
3) ao receberem por esse trabalho extraordinário 45 euros ao fim de semana, os trabalhadores vendem a sua consciência por dinheiro e portam-se como se fossem ceguinhos;
4) consideram o fecho da fábrica como inevitável e a decisão irreversível
5) acreditam que não há outra hipótese a não ser o encerramento da fábrica
Para os Sindicatos, a atitude dos trabalhadores é justificada pelas pressões patronais. Ora, o que torna toda a situação caricata é precisamente a inversão que ela origina. Parece que, neste momento, anunciada a decisão de encerramento da fábrica, os trabalhadores, em vez de se oporem à administração, pelo contrário cooperam, aceitando trabalho extraordinário e negociando as contrapartidas que irão receber pelo fecho da fábrica. O sindicalista (Carlos João) que lamenta a falta de consciência «de classe» destes trabalhadores não acredita, ao mesmo tempo, que eles não estejam a ser «enganados» e «levados» pelos patrões. Ele acredita sinceramente que só pelas «pressões», e provavelmente pela intimidação, é que os trabalhadores se sujeitam, sem protestar e sem lutar, às condições impostas pelos patrões. O que pressupõe que não havendo «pressões», os trabalhadores já iriam à luta, a verdade sindical vinha ao de cima e a consciência operária ainda ponha os patrões a passearem mais cedo para fora de Portugal…
Para além de cumprirem com o seu papel, passará alguma vez na cabeça dos sindicalistas que: a) os trabalhadores, na fase actual, já não querem libertar-se do sistema que os aprisiona como trabalhadores obrigados a venderem a sua força de trabalho no mercado, quando até são razoavelmente bem pagos para «irem vivendo»?; 2 que a «consciência de classe» é uma consciência desapropriada aos tempos que correm, mais dado a outras consciências, como a de adepto do clube, e a outras preocupações, como a prestação da casa para pagar ao banco?; 3 que, finalmente, o dinheiro fresco de um lado e a consciência de outro faz pender a balança inevitavelmente para o daquele e que não há camisola alguma que altere esta escolha?