30 abril 2006

Bénard e a Cinemateca

Quase que se contam votos para verificar se João Bénard da Costa deve ficar ou não à frente da Cinemateca Portuguesa. Face ao unanimismo surgido em torno de Bénard da Costa, depois de anunciada a sua possível não recondução no cargo, e depois de algumas «personalidades» desencadearem o habitual «abaixo assinado» para apoiar a sua recondução à frente da presidência da cinemateca, Augusto M. Seabra partiu a loiça toda e disse abertamente que já não acha que Bénard da Costa deva continuar no seu cargo, devido à análise negativa que faz do trabalho do actual presidente. Decididamente, Augusto Seabra leva o assunto para fora da questão dos laços de amizade e coloca-o noutra perspectiva, a da competência. A partir daqui, a questão passa a ser outra e é esta: Bénard da Costa é a pessoa indicada, tem o perfil para continuar como presidente da Cinemateca?
Augusto Seabra julga que não. Pelo contrário, Vasco Pulido Valente (VPV) julga que por duas razões, Bénard da Costa deve continuar a ser presidente daquela instituição. Uma é a de que, como está na moda não tolerar os velhos, ele, VPV, então defende um velho, neste caso, um velho que tem uma «estatura intelectual e profissional» que nenhum «presuntivo sucessor» lhe chega aos calcanhares. Outra é que um homem como João Bénard da Costa não tem idade. Claro que Bénard da Costa sai desta análise hipervalorizado e VPV deixa a sensação de que, no seu escrito (Público, 30 Abril), apesar de abordar a projecção internacional que a Cinemateca adquiriu com Bénard da Costa, nunca sai do registo do amigo que vem a terreiro pôr os pontos no is e acrescentar, como se fosse necessário, o seu testemunho pessoal, o seu «eu», para garantir que é mesmo assim, que Bénard da Costa merece continuar como presidente da Cinemateca. E à «projecção» de Bénard da Costa, VPV acrescenta a sua, o seu «eu», como se a sua fosse de tal natureza que acrescentasse mais alguma coisa à de João Bénard, e assim um argumento simples passasse a ser um argumento de peso.

28 abril 2006

Apontamentos de economia 7

No preço do petróleo, para além do que é determinado pela lei da oferta e da procura, é preciso adicionar outros factores, particularmente, o que respeita à especulação financeira. Este factor, denominado de «factor de risco», está calculado entre 15 a 20 dólares que entra na constituição , hoje em dia, do preço final de cada barril a 73 dólares, o que significa que, sem esse «factor de risco», o mesmo barril andaria na casa dos 53 a 58 dólares… Duas coisas são interessantes de se observar: uma, a da nomenclatura, a linguagem do «risco» para dissimular a pura especulação financeira, que comporta também a justificação do próprio «risco»: um risco paga-se, e naturalmente que os especuladores fazem-se pagar; outra, a de que tudo isto corresponde ao «normal decorrer das coisas», como se o homem tivesse uma natureza de que a especulação financeira, desde todo o sempre, fizesse parte, como se este verdadeiro jogo (viciado, porque as hipóteses de ganho são, nestas alturas, quase cem por cento, senão mesmo, 100%) de casino de bolsa fosse a coisa mais honesta deste mundo, e como se esses 15 a 20 dólares de lucro especulativo por cada barril de petróleo fossem um instrumento perfeitamente natural do decorrer dos processos económicos, mesmo que tais quantias possam ser mais um factor determinante na crise económica que desponta do emaranhado de petróleo e de urânio.

26 abril 2006

Apontamentos de economia 6

O ministro saudita do Petróleo, Ali Al-Naimi parece saber mais sobre os preços do petróleo do que os homens do petróleo e dos governos ocidentais. Estes reclamam, face ao aumento dos preços do crude, que os países produtores de petróleo aumentem as suas quotas de produção. O princípio de que partem é o de que, se a oferta aumentar para a actual procura, os preços baixarão. Mas, este é um princípio válido para a economia e não para a economia política. Sob o ponto de vista desta, as coisas não são assim tão límpidas. São mais do género do que se passa em Portugal, como, por exemplo, os preços das gasolineiras das diferentes distribuidoras serem quase iguais, apesar da concorrência, sendo suposto que esta deveria fazer baixar os preços. O efeito Portugal, pelo contrário, fá-las aumentar. Ora, com o petróleo à escala mundial, passa-se algo semelhante: a produção aumenta, a oferta aumenta, mas os preços continuam altos!
Ora, perante isto o que o sr. ministro saudita veio dizer e, assim, calar a boca dos que clamavam mais petróleo no mercado, foi que ele sabia que era «o mercado que determina o preço do petróleo», mas que esta era apenas uma pequeníssima parte da história, pois, ele sabe o que os consumidores de petróleo sabem: «Que querem que nós façamos? Vocês sabem, tal como eu sei, que se o preço do petróleo está onde está, não é devido a dificuldades de fornecimento». Pois, ele sabe, e tem de dizê-lo em alto e bom som, que, afinal, anda um cheiro a pólvora no ar. Mas também sabe, apesar de os srs. do ocidente apenas se concentrarem na questão das ameaças à paz, que, há muito, o preço do petróleo é empurrado pela especulação financeira que força esses mesmos preços, o que significa que quando nos dizem que é a pressão «psicológica» face às ameaças de guerra que faz aumentar os preços do petróleo, é preciso ler que por detrás destas ameaças mais ou menos reais, esconde-se a outra face do sistema económico em que vivemos, que é o da especulação financeira, que, deste modo, fazendo subir os preços artificialmente, ganha rios de dinheiro, com a maior das facilidades e… sem dar um tiro nem invadir nenhum país.
E o sr. ministro saudita sabe. Imagine-se se eles, os produtores de petróleo, para além de ganharem pelo preço «normal», resolvessem também ganhar ainda mais dinheiro especulando nas bolsas financeiras como fazem os ocidentais!

25 abril 2006

O 25 de Abril na Madeira

Hoje, mais uma vez o 25 de Abril não será comemorado oficialmente na Região Autónoma da Madeira. O omnipotente governador, Alberto João, para quem comemorar esta data a 24 ou a 26 de Abril é a mesma coisa, desde que não seja a 25, decretou feriado regional para ontem, depois de ter sido desafiado pela oposição, quando o PSD-M anunciou que não iria haver sessão solene comemorativa na Assembleia Regional, a comemorar o «24 de Abril». O governante, a seu jeito, aceitou o repto e acrescentou ao feriado nacional do «25 A Abril», mais um feriado, agora regional, o do «24 de Abril».
Por sua vez, os partidos de esquerda, PS, PCP e BE, uniram-se com o único propósito de juntarem esforços na comemoração do 25 de Abril, à revelia da indiferença oficial. Aquilo que em 30 anos de democracia nunca tinha tido lugar na Madeira, foi possível graças à insensatez de Alberto João, tornando possível a unidade pontual dos partidos de esquerda à volta do 25 de Abril. Sobretudo, no que respeita ao PS esta «unidade», ainda que pontual, temporária e bem circunscrita em ideias e propósitos, é de uma abertura absolutamente inusitada, colidindo com o seu passado na Madeira em que a orientação anti-PCP e anti-UDP, importada do continente, fez história e fez linha política de forma determinante ao longo dos anos.
De qualquer forma, continua salvaguardada a independência de cada uma das formações. Mais: se o acordo é para a comemoração do 25 de Abril, as próximas eleições regionais, disputadas já com novas regras, a proporcionalidade de Hondt, serão o próximo combate não apenas contra o PSD dominante, mas também das forças de esquerda entre si, cada uma a disputar a representatividade da esquerda madeirense e a posição maioritária relativa entre as diversas forças de esquerda. O que significa que a unidade de hoje, 25 de Abril de 2006, é frágil. Mas poderia ser de outro modo quando a «unidade», por um lado, não tem história, e, por outro, é feita propositadamente para atender a uma circunstância meramente temporal?
Uma coisa é certa. Seria bom que nos próximos anos esta unidade da esquerda madeirense já não precisasse de se fazer nesta data: era o sinal de que o 25 de Abril tinha passado a ser comemorado com a dignidade que merece. Sobretudo, por parte daqueles que mais beneficiaram com o 25 de Abril. Sobretudo, por parte daqueles que, estando no poder, afirmam que a oposição nunca compreendeu a conquista da autonomia, e se esquecem que essa autonomia tão propalada como uma conquista sua, só foi possível com o 25 de Abril que não comemoram…
Também por isso é que a questão política da liberdade é, ainda e infelizmente, a principal questão da democracia na Madeira

23 abril 2006

1600 trabalhadores e uma ausência

1600 trabalhadores e uma ausência

Manuel Maria Carrilho ausentou-se da reunião da Câmara Municipal de Lisboa e, por causa disso, não teriam passado para os quadros da Câmara 1600 trabalhadores. Um jornal de «referência» pespegou o efeito com a causa, em letras garrafais na primeira página: a falta de Maria Carrilho tinha impedido a efectivação daqueles trabalhadores. O que era manifestamente estranho.
Primeiro, porque não se tratava de 6, ou 60, ou 160 trabalhadores, mas de 1600!
O que deve ser absolutamente inédito na história da administração pública o facto de, numa assentada, por aprovação da Câmara, tornar efectivos tantos trabalhadores simultaneamente.
Segundo, duas hipóteses se colocavam para justificar a ausência de Maria Carrilho: uma, a de não querer ficar ligado a este processo de efectivação em massa, sabendo que, no actual estado das finanças públicas, a despesa com a massa salarial decorrente deste processo, era mais um contributo enorme no aumento das despesas do Estado, precisamente o que o governo do seu partido tem tentado evitar; outra, mais comezinha e manifestamente contra o carácter íntegro da pessoa e do político que é Maria Carrilho, a de este pura e simplesmente estar-se borrifando para o que se iria passar com aqueles trabalhadores.
Em terceiro lugar, coube ao próprio Maria Carrilho dissipar quaisquer dúvidas sobre as suas motivações. Em conferência de imprensa terá dito que ausentou-se devido a afazeres profissionais, i é, parlamentares, enquanto deputado da nação; terá dito ainda que, mesmo que a sua presença tivesse ajudado a aprovar aquela proposta, de nada serviria porque essa decisão seria chumbada na reunião da Assembleia Municipal de Lisboa, onde o PSD é maioritário; terá dito ainda que entre as suas funções de deputado da nação e a sua ocupação na Câmara de Lisboa, há toda a diferença, pois, na Câmara, Maria Carrilho, é «simplesmente vereador sem pelouro e sem salário».
É estranho, é tudo manifestamente estranho.

21 abril 2006

Impressões

A propósito de nova trapalhada na votação da «lei da paridade», na Assembleia da República, lê-se que Paulo Portas terá dito, sobre a repetição da votação e, finalmente, da aprovação da lei: «Quando se perde, perde-se. Quando se ganha, ganha-se.» É previsível que tenha dito isto com o ar mais sério do mundo, como lhe é característico, tal como é admissível que o tenha dito com aquele ar de menino matreiro, o mesmo que o faz rir com ar de quem goza o prato na Assembleia da República, por qualquer graça que só ele sabe.

Cavaco Silva posa para os jornalistas fardado com um camuflado que traz a sua identificação no lado direito e, no esquerdo, a indicação de Chefe Supremo das Forças Armadas (Chefe Sup FA). A simbologia da farda é contagiosa. Bush anunciou a vitória dos norte-americanos e da sua coligação aterrando num porta-aviões (simulando que pilotava o avião) fardado como Comandante Supremo das Forças Armadas norte-americanas. Cavaco, de farda, limita-se às banalidades do costume, excepto que, para ele, os gastos militares não constituem uma despesa, mas um investimento, pois, as missões externas de tropas portuguesas facilitam a «negociação internacional que Portugal tem de fazer para defesa dos seus interesses».
Seria mais difícil responder se alguém, para ultrapassar as banalidades do costume, lhe perguntasse a que «interesses» estava a referir-se e se gostava de brincar aos soldadinhos.

20 abril 2006

Apontamentos de economia 5

O preço do petróleo voltou a subir. Dizem os «analistas» que tal aumento é devido à crise iraniana sobre a questão nuclear. É certo que as ameaças de ambos os lados têm vindo a subir de tom, sobretudo dos EUA que dizem que vão lá e mordem, e do louco do presidente iraniano que diz que se lhe tocam, morde. E o preço do petróleo sobe! E a ideia veiculada é sempre a mesma, que é por causa da crise do nuclear iraniano, da ameaça de guerra, que é a «instabilidade que afecta os mercados», a «volatilidade» dos preços devido à pressão da comunidade internacional sobre o Iraque, tudo numa estranha relação de causalidade, onde tudo é claro, incluindo os lucros gigantescos que as petrolíferas têm e outro tanto para os especuladores, excepto esse efeito, o aumento do preço, ser derivado dessa causa, a crise nuclear iraniana. Não aumentou a procura, nem caíram as primeiras bombas, a guerra nem começou, e sobe o preço do petróleo!
E se o Irão resolve mesmo retaliar com a sua maior arma, que é o petróleo, e, após cair a primeira bomba sobre a sua central nuclear, boicotar a venda do seu petróleo nos mercados internacionais, como é que será? O petróleo passará a ser um luxo e daqui a uns tempos, andar de automóvel custará os olhos da cara. Mas que, entretanto, alguns predadores das «praças financeiras» terão, e continuarão a ter, feito fortunas, disso não há dúvida.
O mais impressionante desta história é como nós, seres racionais, nos habituamos a viver num sistema económico destes em que uma simples ameaça provoca uma tempestade financeira e ganhos assombrosos para os especuladores, mesmo que isso prejudique as economias de múltiplos países e afecte a vida de milhões de pessoas. O capitalismo é deveras assombroso…

18 abril 2006

Impressões

Há deputados portugueses que, a «título pessoal», não justificarão a falta da 4.ª-feira fatídica. Se isto não é má consciência, andará lá perto, porque, se de facto não faltaram, ou melhor, se faltaram devido a outro tipo de trabalho, noutro lado, o que é que os impede de procederem normalmente, isto é, de justificarem a sua ausência com o «trabalho político»? O problema é outro: trata-se de, com esperteza, duplicar a «injustiça» e, assim, fazer anular a primeira com a segunda: se não faltei e marcam-me falta, então não justifico, e com esta «injustiça» cometida sobre mim, anulo a «injustiça» que cometi ao faltar. A opinião pública sabe que sou uma pessoa de honra e que nunca cometeria uma injustiça destas…

A Polícia Judiciária fez greve. E um estranho silêncio se fez no país. Desta vez, os governantes desapareceram das televisões. Os jornalistas ao serviço da moralidade da República calaram-se. Se nem sempre calar é sinónimo de consentir, o que será desta vez?

Em contrapartida, os professores «deslocados» por doença, que segundo alguns daqueles srs. jornalistas, nada fazem e ganham muito, receberam ordem de regresso, no início do 3.º período escolar, às suas escolas de origem, porque a sua «deslocação» não está devidamente regulamentada. Poder-se-ia perguntar se não há piedade, mas a pergunta mais correcta é: não há ninguém com miolos naquela 5 de Outubro?

11 abril 2006

O «eu» e o respeito do «outro»

Boaventura Sousa Santos terá dito, a propósito da polémica e da crise das caricaturas, que «o respeito pelo outro é auto-limitativo», pois, «reconheço no outro a recusa do insulto tal como eu queria para mim» (DN, 9/04/06). Peguemos na primeira frase, a do «respeito auto-limitativo»: nada disto é concebível se nos ativermos à realidade das coisas; poder-se-á conceber a falta de respeito do escravo em relação ao senhor como «auto-limitativa» do escravo? Limitativa da «liberdade» do escravo? Da «liberdade» do senhor? E a falta de respeito do senhor em relação ao escravo também será «auto-limitativa»? Claro que também teria de o ser! Mas a «liberdade» do senhor e a do escravo são exactamente a mesma? Novamente, claro que não! Então o que é que se passa, para se ultrapassar esta falta de respeito mútua entre o «eu» e o «outro»? Simplesmente, o «eu» e o «outro», ou o «outro» e o «eu» têm de afirmarem-se, negando-se, o «eu» para o «outro» e o «outro» para o «eu», o mesmo é dizer que o escravo afirma-se com o senhor e nega-se contra o senhor, e vice-versa. Isto quer dizer que, contrariamente à propalada ideia de que a «minha liberdade começa onde acaba a dos outros», o que equivale para o «respeito», mutatis mutandis, a minha liberdade começa e acaba em mim com os outros, numa relação em que tirando um dos termos, se tira toda a relação. A liberdade do escravo faz-se com o senhor, nem que seja contra o senhor… Isto é hegelianismo puro.
Quanto à segunda frase, a de que «reconheço no outro a recusa do insulto tal como eu queria para mim», trata-se de uma formulação disfarçada do imperativo categórico kantiano, que, em termos populares se expressa assim: «não faças aos outros o que não queres que te façam». É o que Boaventura diz, por outras palavras: «não insulto o outro tal como não quero que ele me insulte», o que, vistas as coisas, não é senão o prolongamento do raciocínio anterior, isto é, a incapacidade kantiana de resolver a contradição do «eu» e do «outro», deixando o «eu» e o «outro» à frente um do outro e à beira de um ataque de nervos, como bem explicou Hegel.

09 abril 2006

Outro «herético»

Parece que anda a pegar a moda de ser «herético». Depois de Alegre declarar as suas «heresias», Vasco Pulido Valente escreve hoje a sua heresia, no Público. Tal como Alegre o está, V. P. V. também está convencido que comete uma «heresia» ao blasfemar contra a atitude antitabagista, politicamente correcta, do «sr. ministro da Saúde». Absolutamente chateado, V.P.V. diz uma série de enormidades com a displicência da sobranceria do iluminado que tem vergonha do seu asco relativamente à estupidez humana. Ele sabe que o ministro não compra uma guerra com a lei antitabágica, mas mais um entretenimento que alimentará os média. Ele sabe que se não é uma evidência «que o fumo passivo prejudica a saúde», não andará muito longe disso. Ele sabe que o «fumo passivo num bar ou num restaurante», não é uma «ocorrência por força rara, intermitente, e breve» que não «afecta ninguém», pelo contrário. Ele sabe que a luta contra o tabaco não «vem directamente do culto da saúde e da juventude», ou melhor, sabe que o cuidado com a saúde pode passar pelo abandono do hábito de fumar, mas finge não saber. V.P.V. prefere a invectiva contra fantasmas, contra o «espírito inquisitorial e o prazer de brutalizar o próximo por algum módico respeito pelo indivíduo», contra o «primeiro imbecil que não fuma» e que «usa essa santíssima superioridade para oprimir ou incomodar os prevaricadores que fumam».
Algo tão patético, provindo de alguém que é capaz de pensar, só devido a um ataque de raiva perante a frustração antecipada da futura proibição de fumar em espaços públicos. O que é pouco para perder a compostura.

03 abril 2006

Steiner, Auschwitz e Chaplin

George Steiner gosta de referir nos seus escritos, a propósito das perplexidades dos intelectuais face à violência, a frase de Adorno, que dizia que depois de Auschvitz, a poesia já não era possível, o que, reconhece Steiner, não é bem assim (comentário da frase em Logocratas). Em contrapartida, nunca o vi comentar a afirmação de Charlie Chaplin, que, depois de realizar o filme O Grande Ditador, terá dito que se soubesse o que se tinha passado em Auschwitz, não teria feito o filme.

01 abril 2006

Alegre, O Herético

De vez em quando, Alegre exprime o seu nacionalismo poético e transporta-o com o maior dos à vontades para a política e, portanto, se necessário, para as maternidades. Alegre alega, a propósito do encerramento das maternidades, que "os espanhóis jamais permitiram que os seus filhos viessem nascer do outro lado da sua fronteira" e que os «espanhóis gastariam o dinheiro que fosse preciso para que os seus filhos não nascessem em Portugal". Alegre terá dito, ainda: "Não me resigno a que isto deixe de ser um país, não abdico de os portugueses quererem ter os seus filhos em Portugal."
O «amor da pátria» parece, assim, justificar tanto os proteccionismos económicos recentes, como os luxos das maternidades que não fechariam à espera que pelo menos mais um filho da pátria não deixe de nascer no seu solo, em vez de ir nascer para o estrangeiro, ainda por cima, em terras espanholas.
O problema do discurso da pátria de Manuel Alegre é o de exacerbar o recôndito da alma, o apelo da genética lusa, do pedaço de terra dos avós, do cantinho dos verdadeiros portugueses que amam a terra-mãe e têm a correr nas veias o sangue dos antepassados. É que um discurso assim pouco tem de diferente do discurso nacionalista mais puro e duro. Tem é outra retórica, o que vai dar ao mesmo. E que não tem nada de herético.
Mas compreende-se que ele tenha de se enredar nesta teia por, estando dentro, necessitar, para dar sentido ao seu MIC, de parecer que está fora, em oposição extra-parlamentar, ao governo do seu partido. É ginástica política e pessoal a mais, e a heresia de Alegre não é senão um desvio das suas prioridades relativamente às prioridades do governo.