27 março 2008

O tédio do mundo e a torre de marfim

No DN de 19/3/08 pode ler-se uma transcrição do artigo de David Justino, ex-ministro da Educação, publicado no seu blogue: «Não imaginam o quanto se torna penoso ouvir alguns discursos sobre o ‘actual’ estado da educação em Portugal. Alguns deles chegam a raiar a ignorância compulsiva e uma incrível falta de imaginação, até para melhor disfarçar essa ignorância.» Deste «império do senso comum», Justino demarca-se recolhendo-se na meditação, «nas leituras, no conforto do tempo distante, naqueles cuja inteligência e capacidade de pensar os problemas não nos deixam dormir sossegados sustentando esta inquietude incorrigível de que não me consigo libertar».
Justino dá-nos a ideia do que é um homem do seu tempo farto e desgostado do seu tempo. A multidão que «acha» não pensa, não sabe, vive enganada, mas ele sabe que sabe e que a multidão não sabe. A única diferença em relação a Sócrates, o filósofo grego, seria a de que este não fugia da multidão, pelo contrário mergulhava nela para o confronto, enquanto Justino foge da multidão ignorante e do senso comum. Esta fuga permite-lhe o refúgio na torre de marfim, afastado do bulício dos homens comuns, contemplando o seu vão esforço e o inútil trabalho interminável desprovido de sabedoria. Permite-lhe, em compensação, apreciar o deleite intelectual de quem, ao mesmo nível que ele, soube pensar fora do alcance da multidão, de quem, como ele, foi capaz de profundos pensamentos, tão mais profundos quanto mais o deixam sem dormir. O tédio do mundo aborrece-o e ele boceja por isso.