04 dezembro 2007

A Singapura madeirense ou a impossibilidade do sonho (II)

Ora, é disto que fala João Carlos Gouveia? Obviamente que não. João Carlos Gouveia está, agora, a descobrir a autonomia, ao assumir uma posição de defesa da autoridade policial e judicial para melhor garantir o funcionamento do regime, mas expurgando-o da ilicitude, da corrupção e dos excessos de anomalias que tornam pouco transparente o funcionamento da sociedade madeirense. O que João Carlos Gouveia defende é o controlo do sorvedouro das contas públicas da Região, é que o conjunto do desenvolvimento económico e financeiro seja feito com o máximo de transparência de modo a evitarem-se os desperdícios e os aproveitamentos abusivos, sem que tal política constitua uma alteração significativa do que tem sido a política económica do actual governo regional de Alberto João. Mais do que uma diferença de substância, trata-se de uma diferença de pormenor. Ao despesismo opor o controlo. À fraude opor o rigor. À corrupção opor o direito e a penalização judicial. Às obras faraónicas opor a realização contida das obras justas de acordo com a contenção que a interpretação do politicamente correcto da vontade popular permite e legitima. O que, na realidade, João Carlos Gouveia não quer é o regime político que o impede de disputar de igual para igual o poder com Alberto João. O que João Carlos Gouveia sabe é que enquanto os mecanismos de conservação de poder, tecidos ao longo do tempo por Alberto João Jardim na sociedade madeirense, e constituídos, a maior parte das vezes e para além dos casos evidentes de fraude e de corrupção, por aquilo que muitas vezes não é demonstrável nem palpável, mas que toda a gente sabe que existe porque faz parte da cultura instituída, faz parte dos hábitos e das tradições, faz parte do relacionamento instalado entre as pessoas de forma informal, mas que urde uma verdadeira teia formalizada de funcionamento de uma sociedade pequena como a da Madeira: os pequenos favores e as dependências geradas, o jogo de influências, as cunhas, os conhecimentos… Um poder construído sobre este lajedo e da estirpe do de Alberto João, auxiliado pelo tal jogo pouco democrático à moda de Singapura – na medida em que os partidos da oposição são insignificantes e que uma das maneiras de anular a acção dos oposicionistas é processá-los judicialmente – é, na verdade, uma dor de cabeça para o partido Socialista da Madeira e do seu dirigente João Carlos Gouveia. O que não lhe deve, em contrapartida, fazer não desejar ter os seus próprios sonhos. Afinal, a grande diferença é que um pode sonhar os seus próprios sonhos e acha legítimo tê-los. O outro limita-se a não querer que ele sonhe…