03 dezembro 2007

A Singapura madeirense ou a impossibilidade do sonho (I)

O líder do PS-Madeira voltou a criticar o chefe do governo madeirense por este pretender copiar o modelo de Singapura para a Madeira. Segundo ele, o «sonho», o «ideal» de Alberto João passaria por essa transformação da Madeira numa espécie de Singapura do Atlântico. O que não é perceptível da crítica de João Carlos Gouveia, é se ele critica o modelo singapuriano em conjunto, ou se distingue pelo menos dois níveis que um observador atento pode e deve fazer. De facto, Singapura é apresentada segundo dois aspectos que aparentemente são contraditórios e que, no entanto, poderão ser vistos na sua interdependência e como o prolongamento de um em relação ao outro. Por um lado, Singapura é apresentado como um exemplo de modernização de um país asiático, como exemplo de desenvolvimento económico invejável, e como exemplo de integração de diferentes povos com índices de educação e cultura notáveis em comparação com os países vizinhos. Por outro lado, o regime político de Singapura, que contempla o sufrágio compulsivo a partir dos 21 anos de idade, é tido por algumas organizações um regime autoritário que, apesar de permitir a oposição, a reduz à insignificância de tal modo que não há receio de o partido do governo, o Partido da Acção Popular, de Lee Hsien Loong, ver-se arredado do poder, a tal ponto que nas últimas eleições foi considerado por alguns comentadores que se o partido tivesse menos de 61% de votos, isso seria sinal do seu declínio…
Portanto, quer quando Alberto João aponta o seu sonho de transformar a Madeira numa Singapura do Atlântico, quer quando Carlos Gouveia critica esse «ideal», é necessário saber do que ambos falam, e provavelmente não estão a falar da mesma coisa, ou no mínimo, com o mesmo propósito. É que do ponto de vista de Alberto João, o regime político que o catapultou para chefe de governo regional, esse regime que o pôs na posição de intérprete da vontade popular que ele alimenta através do seu populismo, da sua demagogia, das suas ameaças chantagistas, das suas políticas muito pouco democráticas, é o melhor dos possíveis porque lhe permite perpetuar-se no poder, democraticamente, apesar violar as regras do próprio jogo democrático, nomeadamente o princípio republicano da substituição dos cidadãos após cumprimento do dever cívico do exercício de um cargo para que foi mandatado. Não tendo tido a capacidade de sair da politiquice regional, Alberto João deixou-se aprisionar pelo sistema que criou e tornou-se escravo do seu próprio papel. Mas como o assume com o provincianismo de quem governa o mundo a partir da sua cadeira de vime, e porque sabe que a sua vontade é uma ordem e que o seu estatuto é intocável, o sistema de Singapura é para ele, não uma cópia mas uma imitação. O que ele quer na verdade copiar é outra coisa, é o sistema produtivo, é a geografia capitalista da mão-de-obra qualificada e o investimento financeiro nas indústrias de ponta da informação e da comunicação. Um regime politicamente musculado de fachada democrática, já ele tem. Falta o capital e o desenvolvimento.