03 julho 2007

Mais licenciaturas e menos licenciaturas

O secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Química, Paulo Claro, clama contra a descida do número de jovens estudantes matriculados nos cursos científico-tecnológicos, e, por tabela, nos cursos de Química. Compreende-se que assim seja, pois, no mínimo dos mínimos, não havendo estudantes não há cursos e os professores passam a estar a mais… Mas Paulo Claro vai mais longe e não se fica pelo discurso da desgraça. Apresenta, também, argumentos que sustentam que mais vale um estudante com um curso superior do que sem ele: opõe-se ao mito que tirar um curso superior seja sinónimo de aumentar o lote de professores licenciados no desemprego; por outro lado, diz, o salário médio de um licenciado é 80% superior ao do trabalhador apenas com o secundário. São argumentos razoáveis. E há outros.
De qualquer forma, este é um discurso contra a maré. Em parte. No que respeita ao ingresso nos agora sacrossantos «cursos científico-tecnológicos», está de acordo com o discurso dominante na sociedade portuguesa: o saber parece começar e acabar na ciência e na tecnologia. Depois, contrariamente ao discurso dominante que procura dissuadir os jovens a não procurarem os cursos superiores para não ingressarem no «desemprego dos licenciados», Paulo Claro diz o contrário, que é preciso mais jovens a frequentarem os cursos superiores, só pecando por não acrescentar que tanto faz que sejam da área das ciências e tecnologia ou das letras, porque uma sociedade só tem a ganhar com os seus jovens licenciados em grande número, em vez de meia dúzia. Mas também é compreensível que todas as corporações profissionais, face à concorrência no mercado de trabalho, apregoem exactamente o oposto, tal como o faz o Estado com medidas que dificultam a frequência do ensino superior, nomeadamente a politica de propinas.
No entanto, o discurso dominante é mais subtilmente insidioso. Parte do princípio de que havendo necessidade de carpinteiros, canalizadores, mecânicos, etc, etc, que este tipo de trabalhadores apenas deve possuir uma formação específica, o que torna um luxo qualquer outra formação, nomeadamente a superior. Poderia pensar-se que um empregado de limpeza pudesse eventualmente ser portador de um curso superior? Que um mecânico fosse simultaneamente um licenciado em economia, isso é que era um desperdício! Que um pedreiro fosse licenciado em Química, que absurdo! E por aí fora. Pois, mas estes escândalos só o são porque a divisão capitalista do trabalho, para além das formações específicas dentro de uma área delimitada, torna um luxo indecente que alguém possa transportar um saber que extravase a sua área de competência. A divisão do trabalho vicia o jogo das competências e portanto, da formação, mas mais grave do que isso é, porque não dá lucro (daí o luxo), não interessar de modo algum que um sistema de ensino seja montado na base de que todos possam e devam acabar por se licenciarem nos cursos que quiserem. E, como se sabe, isso deve-se não à falta de dinheiro - é do que menos falta há - mas à distribuição que a economia capitalista faz dos trabalhadores e das necessidades específicas de formação que impõe a cada um consoante as competências que exige. E isto vai se tornando igual em todo o lado, em Portugal, na Rússia, na China…