Os dois grandes impostores
Os dois grandes impostores, os srs. Blair e Bush, não se cansam de bater com a mão no peito e a clamarem mea culpa, apesar de se referirem explicitamente a erros, tão explicitamente que tresandam a justificação pela invasão do Iraque, mistificada, no entanto, por questões de pormenor, por questões meramente tácticas e até por questões de linguagem. Segundo parece, desta vez, nenhum deles utilizou o argumento de que a história os ilibará, o que, diga-se de passagem, nem se trata de um argumento, mas de uma profissão de fé. E nisso, cada um tem a sua, mesmo que em vez de deuses se fale de invasões.
Blair insiste que não vale a pena voltar aos argumentos que determinaram a invasão, mas, invariavelmente, volta à invasão e aos argumentos, só que aos seus argumentos, discutindo motivações como se, aparentemente, estivesse a discutir o sexo dos anjos. Este retorno aos argumentos desculpabilizadores tem o seu quê de patológico e, no entanto, corresponde exactamente à patologia da guerra, sobretudo quando o que a justifica não passa senão da vontade de domínio, da necessidade de vingança, tudo isto submergido numa boa dose de paranóia, de arrogância e de desprezo pelas instituições internacionais como a ONU, onde o sr. Colin Powell se prestou a um dos maiores embustes colectivos de que há memória na história das relações internacionais.
Blair, da sua parte - até dividem os erros entre si, que é como quem diz, estamos nisto juntos, mas cada um tem culpas à parte… -, diz que o erro foi a desbaazificação completa, pois, tirou da vida do país os quadros de que o pós-invasão necessitava. Esqueceu-se de dizer que foi o Baas que desapareceu, que foi o exército, que foi a polícia, que foi a administração central, isto é, que acharam pura e simplesmente que podiam desmantelar um Estado para depois reconstruí-lo a partir do zero, sem mais, e à sua maneira. Bush, da sua parte, lamenta o erro militar que se chama Abu Grahib, como se as histórias de guerras não passassem por excessos de toda a ordem, a começar pela ordem do seu começo. O mais patético, contudo, é-nos dado pela autocrítica que o sr. Bush faz à sua «dura retórica» - quer dizer, texana e imperial - quando empregou expressões como procurar Bin Laden «vivo ou morto», ou desafiar a insurreição iraquiana, convidando a que «Eles que venham».
A grande conclusão é que o sr. Bush julga ter aprendido a lição, e qual menino bem comportado, até proclama que sabe o que tem de fazer: «Tenho de exprimir-me de forma mais sofisticada.» Diz ele, seriamente.