01 maio 2006

Da divergência nas elites e da sua ocupação do tempo

José Miguel Júdice afirmou que as elites portuguesas eram as mais egoístas do mundo, as com «menos sentido social», as mais «desinteressadas» e as «menos preocupadas com o sofrimentos dos seus concidadãos». Isabel Jonet não concorda e como prova apresenta números da imensa actividade do «seu» Banco Alimentar em prol dos mais desfavorecidos.
Podem ficar descansados os «mais desfavorecidos» porque, afinal, a ajuda das elites não está assim tão má como impressivamente Júdice quisera dizer. Por outro lado, apercebemo-nos de quanto esta é uma matéria que preocupa as elites, o que faz com que a sua «amigável» divergência não passe apenas de um mal entendido, pois, afina, trata-se de saber reconhecer o trabalho que já se faz (Isabel Jonet) e aquele trabalho que se desejaria que fosse feito (Miguel Júdice). E contudo, José Miguel Júdice tem razão ao levantar este problema. É que ele é inseparável de outro problema, este quiçá ainda mais gravoso do que aquele, ou pelo menos interdependente: o da ocupação das elites. Trata-se de reconhecer que uma característica das elites é a sua capacidade para terem muito dinheiro e muito tempo disponível. A óbvia escolha por uma vida de ócio é a tentação mais comum, mas isso não significa que de entre os que pertencem às elites, não exista quem se angustie, senão com a sua existência, pelo menos com a existência dos outros, e de entre estes, os que se angustiam com a existência dos outros mais desfavorecidos. É natural também que, assim, sejam das elites os cuidados críticos sobre a própria prática, e a defesa intransigente da ideia de que não cabe ao Estado nem a outras instituições, de forma exclusiva, cuidar dos que precisam, ou fingem que precisam. Em última análise, se assim não fosse, ficavam sem o seu trabalho caritativo de preenchimento do tempo. O que era um pena para tanta boa vontade, e todos nós sabemos como a boa vontade é essencial. Pelo menos, Kant disse-o.