16 maio 2006

Identidade europeia e nascimento português em Badajoz

Timothy Garton Ash promoveu o seu último livro em Portugal, deu uma conferência, e promoveu também a ideia de que estamos inapelavelmente condenados a ser europeus como segunda opção, isto é, que ser europeu equivale «sempre» a uma «segunda identidade». Ele próprio dá o exemplo aplicado ao seu caso: primeiro é inglês e, só depois, europeu. Reforça esta ideia, ainda, com outra sobre a condição de europeu, que não permite que se tenha «europeus muçulmanos», mas «muçulmanos europeus». Segundo ele, os europeus devem ter «cuidado quando são discutidos valores», quer nacionais, quer religiosos. E com todo este cuidado, só faltaria que Timothy Ash nos dissesse também que não conviria pôr em causa qualquer «valor» religioso, muçulmano, cristão ou qualquer outro, para não ofender ninguém, numa espécie de conclusão enviesada sobre a lição do caso das caricaturas, que, pelo contrário, mostrou à saciedade quanto a sociedade europeia não deve temer o uso prático dos seus valores seja contra quem for e a pretexto do que for.
De qualquer maneira, a ideia da segunda identidade remete, também, para a secundarização da identidade europeia, uma espécie de segunda pele que se usa em momentos especiais, ou não se usa sequer, porque a primeira identidade, a nacional, é o seguro que vale no caso daquela não servir, ser descartada ou extinguir-se (hipótese que não é tão inviável como isso). Além do aspecto da segurança da identidade, há da própria natureza d identidade, uma espécie de «essência», o verdadeiro ser da coisa, neste caso, o que é que dita a identidade europeia. A resposta de Ash não poderia ser mais ilustrativa: a nação particular de cada Estado membro. É isso que lhe permite falar de primeira e segunda identidade. Mas é justamente esta visão que faz com que a «natureza» europeia seja a geografia local, o que é exactamente a mentalidade que está por detrás da consideração de que um nascimento de um português numa maternidade espanhola de Badajoz faz com que o recém-nascido já não seja português, mas espanhol, levantando todas as suspeitas as resistências conhecidas. Assim, o que é determinante é o local, a naçãozita, a terrinha, a casinha. A casa da Europa é a minha casa, diz Ash. Enquanto disser isto, é óbvio que será sempre primeiro inglês e, em segundo lugar, europeu, tal como a mãe portuguesa não quer que o seu filho nasça em Badajoz com o receio de que lhe tirem a pele portuguesa e em seu lugar vistam uma espanhola, passando a ser primeiro espanhol e, só depois, português. E se «tiver de ser» e nascer em Espanha, a mãe portuguesa tudo fará provavelmente para que o seu filho nunca se lembre de tal facto, ou, pelo contrário, lembrando-o, mas para mostrar que apesar disso, apesar de ter nascido em Espanha, nunca deixou de «ser português». É tudo uma questão de crença. E esta juntamente com o «local» fazem as identidades que se quiser.