27 janeiro 2007

Hitler poder ser comédia?

Hitler e a sua «sociedade perfeita» podem ser alvo de comédia? Há quem responda definitivamente que, aqui, não há lugar à comédia. Pois bem, a ser assim, o momento catártico ficaria sem possibilidades de existir, e o consolo devido a não sermos o que outros são, livrando-nos do horrível, também não teria lugar. Depois, Hitler e apaniguados continuariam votados a uma espécie de clausura fantasmática, que, por sua vez, velaria pelo povo alemão, contendo-o num abraço de morte, como se fosse eterno. Ora, nada é eterno, e as novas gerações alemães já descobriram o que é a comunhão de uma bandeira - como aconteceu no último mundial de futebol, lugar propenso às exacerbações nacionalistas. Ainda recentemente, Hitler surgiu no filme , «A Queda» como se fosse mais um de entre todos os seres humanos, construindo-se, assim, a sua humanização, o que equivale, simultaneamente, a tirá-lo do pódio dos monstros da humanidade, coisa que, na realidade já houvera sido feita há mais tempo, pois, a partir do momento que um Eichmann encarna o mal banal, então, qualquer ser humano - e Hitler é um ser humano, o filme recorda-o… - é um candidato cruel a praticar banalmente o mal. Somos todos seres humanos e é enquanto tais que somos capazes das maiores atrocidades. Quer dizer que não é nem enquanto monstros, mas também não é na qualidade de sub-humanos. Assim, a comédia de Hitler não é uma novidade nem assinala um novo rumo na abordagem do nazismo, mas confirma a tendência dos tempos actuais para fazer festa e entretenimento a propósito do que é porventura mais sagrado (sem ser religioso), mais protegido, mais recatado, ou mesmo onde seria suposto existir ainda uma boa dose de pudor. Sem pudor da profanação do que é caracteristicamente distinto, os tempos que correm precisam do riso da morte, do riso da violência do enforcamento gravado no telemóvel, do riso do horror da decapitação inesperada, de todos os risos de todas as mortes. Aos quais Hitler não escapa. Afinal, Hitler não era uma pessoa banal? Mais, afinal não era um ser humano como tantos outros? Chegados aqui é forçoso aceitar as consequências. Se não se quiser aceitar estas consequências, então é preciso rejeitar também as premissas.