16 janeiro 2007

Amadeo, Rivolição e o resto

A exposição de Amadeo de Sousa-Cardoso foi um êxito e a Fundação Calouste Gulbenkian está de parabéns pela capacidade que demonstra ter, ainda, para arrastar multidões à oferta cultural que proporciona, do que é exemplo esta exposição.
Este êxito é tentador. Permite, desde logo, ufanar-se e exclamar: Viram? Há público! Só temos de satisfazê-lo, dar-lhe o que ele quer e o que ele gosta e, assim, ele aparece. Mas permite ainda outra coisa, uma espécie de desforra relativamente ao Rivoli: os do Rivoli nunca fariam uma coisa destas, isto é, encher a casa de público, logo, não prestam, e ainda por cima, fazem-se caros e reclamam ao serem postos na rua («pobres e mal agradecidos» como disse João Jardim a Gonçalo Cadilhe pelo uso que este fez da Casa do Artista e não ter achado graça ter sido posto num hotel durante um fim de semana para que aquela Casa fosse usada para uma festa… de fim de semana). Portanto, estes artistas («artistas»?) não são capazes de darem ao povo/público o que ele quer. Se não fazem isso, então não prestam: rua! Interessará o projecto que esses artistas apresentam? Ou será que o que vale é simplesmente o critério do público: não têm público, logo não servem? Só este aspecto constitui um problema que é essencial a qualquer manifestação artística, seja para aceitá-lo seja para negá-lo.
O que interessa no caso, contudo, é a perspectiva de que a Gulbenkian faz o que o Rivoli não conseguia fazer: ter público. Ora, o embuste deste critério consiste em fazer colocar em pé de igualdade diferentes instituições com possibilidades diferentes para captar exactamente isso: público. Só a mais cabotina má-fé pode esconder as vezes que as televisões passaram entrevistas com a responsável da exposição da Gulbenkian, as vezes que fizeram reportagens da exposição a propósito da ida «espontânea» da comitiva do Presidente da República, e da visita não menos «espontânea» do sr. primeiro-ministro. Esquecer o papel que os órgãos de comunicação têm na divulgação e informação dos acontecimentos culturais, a forma como influenciam os públicos potenciais e os motivam num ou noutro sentido, é passar uma esponja na capacidade que a Gulbenkian tem para «produzir acontecimentos culturais», que muito poucas instituições podem igualar.
O que não quer dizer, também, que a Rivolição fosse algo que estruturasse um projecto vanguardista que merecesse apoio incontestável, mesmo sem público. Mas este é o problema de outra arte, da que não se dirige às massas, mas àqueles que são capazes de lhe dirigirem um olhar de reconhecimento da sua originalidade crítica, mesmo que o objecto da crítica seja simplesmente uma câmara municipal, ou o seu presidente.
Amadeo está entronizado, já não assusta nem escandaliza ninguém. A burguesia lisboeta adorou-o e fez serão para celebrá-lo. Quem disse que não tem esse direito?