A marca de Zorrinho, a equidade e as ondas de choque
«Ignoram [os analistas críticos…] – diz Zorrinho –, que a medida adequada para avaliar o sentido mais ou menos progressista duma política é o patamar de equidade que ela permite atingir no sistema social e económico que pretende influenciar. Equidade na participação e equidade na fruição dos resultados obtidos.» (Público, 6/09)
Tal como a ignorância desses analistas não lhes permite topar e muito menos perceber que para os libertários o critério para «avaliar o sentido mais ou menos progressista duma política» é o de a cada decisão aumentar ou não o espaço de liberdade do indivíduo ou do grupo; tal como ignoram que para os chamados neoliberais o critério das medidas justas é o do mercado; tal como ignoram que para os autoritários a segurança e a repressão vêm antes de qualquer outro interesse; etc.
Mas Zorrinho sabe qual é o critério para avaliar as medidas de um governo socialista e isso é que conta. No artigo de onde o excerto foi extraído, Zorrinho empalidece os analistas com o desfiar dos diversos campos da acção governativa onde aquele critério aparece como o farol que iluminou todas as decisões tomadas. Por isso, encandeado, não é capaz de apontar nenhuma medida em concreto, mas apenas tópicos programáticos que se tornam banalidades supérfluas no contexto do objectivo a que se propôs com tal artigo: elogiar o governo pelas acções promovidas.
Claro que o facto de as estatísticas dizerem que, nos últimos tempos, Portugal é o país da Europa onde o fosso entre as classes ricas e pobres mais tem aumentado não põe em causa esse princípio. Claro que o autoritarismo da governação socialista está, para Zorrinho, dentro do «patamar de equidade». Claro que a justiça de Zorrinho só pode ser realizada no «patamar de equidade». Poder-se-ia pensar que não?
Claro que não, até porque entretanto Zorrinho teve oportunidade para perceber que «a exaustiva procura do envolvimento dos actores sociais nos processos de mudança e reforma, consubstanciada na designada política de diálogo» pertence ao passado, e que, por outro lado, a estratégia de governação para áreas fundamentais (sistema político, administração pública e reforma fiscal) do Estado deveria ser estendida a todas as áreas da governação. Qual estratégia? A que ultrapassa a «metodologia dos processos reformistas» e que tem em conta que «algumas reformas transversais, exactamente por serem intersectoriais e propedêuticas, exigem uma actuação diferenciada, mais próxima dos velhos métodos da reforma por decreto, lançada de surpresa e gerida cuidadosamente, na relação dinâmica entre os impactes e as ondas de choque» (“O regresso do Socialismo”, 1999). Se esta não é a medida da «equidade» onde está a «equidade»?
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