21 julho 2006

O juiz e o Funchal Centrum

Uma providência cautelar tinha feito suspender, por decisão do Tribunal Administrativo do Funchal, as obras no Funchal Centrum. Esta decisão motivou duas ordens de leituras opostas. Uma, a do governo regional, pela boca do seu presidente, que vociferou contra decisões inimagináveis, a ponto de ter exclamado «Ao que isto chegou!» Outra, mais no âmbito da oposição e do jornalismo de reportagem (exemplo da revista “Visão“), classificava a decisão do Tribunal como uma «viragem» na lei e na ordem, pois, pela primeira vez, e ainda por efeitos do caso do deputado do PS cuja sanidade foi mandada analisar pelos deputados do PSD regional, a justiça estaria a dar mostras de não alinhar pelos interesses instalados nem oficiais e caminharia, na sua isenção, mesmo contra o governo regional se tal fosse necessário.
Ora, o juiz Paulo Gouveia, por sobre estes rumores, no despacho em que suspende a suspensão, salienta que numa «democracia séria», como provavelmente se referirá à democracia madeirense, as funções legislativa, executiva, administrativa e qualquer outra não se confundem, o que pareceria uma «verdade» ainda não «apreendida por vários sectores da política e da comunicação social». E fazendo prova da sua seriedade, Paulo Gouveia faz a defesa da sua causa, da independência da sua justiça, afirmando no dito despacho: «a justiça nos tribunais é feita através de um processo legal (…) sendo a judicatura um dos sectores mais fidedignos deste país improdutivo da União Europeia». Que a justiça, em Portugal continental e por extensão nas ilhas, seja «fidedigna», ninguém dúvida por todos saberem como é que funciona. Ela é «fidedigna» assim, entre aspas. Que esta justiça «fidedigna» seja feita neste «país improdutivo da União Europeia», eis outra verdade enviesada, pois, se o ser «improdutivo» quer dizer que «não produz», então o sr. juiz volta a não ter razão, e se confunde «improdutivo» com «baixa produtividade», então deveria rever os conceitos que utiliza no seu despacho. Mas, se a justiça reclama a independência em relação ao poder político, então, o sr. juiz talvez devesse coibir-se de comentários, nas suas decisões judiciais, de natureza política sobre a «improdutividade» deste país da União Europeia. A não ser que a sua estratégia seja a de afrontar a partir do reduto inviolável da sua posição judiciária, o que não abonaria nada na «seriedade» da democracia madeirense.