10 julho 2006

Quantos mortos por um vivo?

«Exército israelita mata 20 palestinianos», dizem as notícias. Em princípio, cada morto do lado palestiniano é menos um hipótese para que o soldado israelita escape vivo do seu cativeiro. Mas isso não é senão mais uma no campo das conjecturas. Na realidade, os israelitas entraram em força na Faixa de Gaza, com ordens para irem ainda mais longe, numa espécie de reocupação do território que, não há muito tempo, tinha dado tanto trabalho a desocupar e, por outro lado, tinha também fornecido uma óptima oportunidade para uma intensa encenação mediática que mostrava a irredutibilidade das autoridades judaicas na acção magnânima de saída de Gaza. Agora, sob pretexto dos mísseis Qassam que voam cada vez mais longe e de forma cada vez mais perigosa, e do soldado raptado, os soldados de Deus, irados pela afronta, limpam tudo à sua frente, com a disposição de irem tão longe quanto a raiva e vingança o impuserem. A operação «Chuva de Verão», a sentença de que «ninguém dormirá em Gaza», a afirmação da força e da superioridade bélica contra os filisteus, são recapitulações bíblicas de que o «povo de Deus» precisa repetitivamente para poder garantir a sua expansão e sobrevivência contra quem se lhe oponha com ou sem razões, em nome de Deus e em nome de si próprio, porventura, «o povo escolhido» entre tantos.
Do outro lado, O primeiro-ministro palestiniano, Ismail Haniyeh, pode bradar contra aqueles que tanto apregoam a democracia e que agora não movem uma palha para defendê-la. Se este aspecto da «questão da democracia» é crucial, não menos importante é o aproveitamento que o Hamas pode fazer da condição de perseguidos a um nível praticamente intolerável, como é a situação de governantes e deputados do Hamas terem sido, por sua vez, raptados pelo Estado de Israel. A vitimização do Hamas com o governo meio raptado e as atrocidades sobre a população civil criam um ambiente propício à morte atrás de morte, à vingança atrás de vingança em ambas as partes. No meio da «confusão de loucos» (segundo um jornal israelita), quem é que se lembrará ainda do valor de uma vida judaica e de outras tantas palestinianas? Se o soldado for libertado quantos se lembrarão do preço em vidas de ambos os lados e da destruição? E, no entanto, depois disto, depois da matança, depois da justiça de Deus, quanta magnanimidade teria a sua libertação.