28 junho 2006

«Não à traição, sim à produção.»

Um dos slogans dos trabalhadores da fábrica da Azambuja, numa das suas manifestações, era «Não à traição, sim à produção!» Eis todo um programa cuja exploração equivaleria a fazer um balanço e uma análise do que é o funcionamento do sistema económico capitalista (de que não se fala, pois, reduz-se a «economia de tipo capitalista» simplesmente à «economia»). A primeira parte da expressão, «Não à traição» , é um juízo moral emitido por quem julga esperar uma coisa e saiu-lhe outra, e de quem fez um contrato e se vê ultrapassado pelo facto da outra parte não querer cumprir a sua parte, e por isso se vê injustiçado. Ao mesmo tempo, atribui-se ao «outro», ao capital, uma forma, algo como uma persona como se o capital fosse capaz de desempenhar um papel de pessoa moral, como se o capital fosse moral e, portanto, tivesse de prestar contas, não de ordem contabilística referentes a ganhos e perdas, mas a efeitos perversos sobre pessoas e bens. O capital não atraiçoa, mas todos nos deixamos levar pela amarga ilusão de uma traição porque pelo menos isso julgamos poder compreender.
A segunda parte da expressão, «sim à produção», manifesta uma vontade, um desejo igual a tantos outros expressos nos últimos anos por esse Portugal fora, quando as empresas fecham. Significa que se recusa perder o meio de subsistência, em primeiro lugar, e que, em segundo, está também implicada a recusa em perder a condição de trabalhador, aquela que permite que cada um se realize pelo trabalho e que, pela transformação das coisas em mercadorias, se liberte da escravidão do trabalho e se eleve à condição de criador. O que significa que o trabalho é a condição de libertação do trabalhador. E nunca se ouviu dizer que os frequentadores dos jogos dos jardins se tenham libertado, a não ser do seu próprio tédio enquanto pessoas «livres» do trabalho. E, no entanto, esse desejo deve ser relativizado, porque só depois das negociações entre a GM e os trabalhadores, se o fecho da fábrica for para a frente, é que se verá a verdadeira dimensão da tragédia da perda dos postos de trabalho, particularmente, em função das indemnizações que lhes deverão ser pagas. É preciso não esquecer que há sempre quem prefira ir para o banco do jardim com os bolsos cheios.