24 junho 2006

Futebol, Luxemburgo e história II

Depois, há diversas considerações de ordem política que entram nesta felicidade popular dos nossos dias. Quer-se fazer crer que existe uma relação entre o mau aproveitamento dos estudantes portugueses no Luxemburgo, e a expansividade das gentes portuguesas nos festejos das vitórias da sua selecção. É óbvio que os resultados, traduzidos em números (que não enganam, segundo um sr. Director de um «jornal de referência») podem ser comparados e podem originar este tipo de interpretação, nomeadamente, se eles foram obtidos agora, na época de exames, altura em que os estudantes portugueses deveriam estar a estudar em vez de, provavelmente, estarem a ver jogos de futebol e a festejarem desmesuradamente. Para além disso, as gentes luxemburguesas, pela voz da jornalista, interrogam-se sobre se receber estrangeiros, pagar-lhes bem pelo seu trabalho, dá direito a estes de se comportarem como se estivessem na terra deles e não numa terra de gentes com outros hábitos, outra mentalidade, etc. Trata-se daquela questão que os britânicos descobriram ainda há pouco tempo, através dos atentados no metro e no autocarro: afinal, recebemos estrangeiros que em vez de interiorizarem a nossa cultura, vivem de tal maneira a sua que, mesmo na nossa terra, e passada uma geração, ainda continuam com as raízes na terra de origem, integrados mas ao mesmo tempo desintegrados, adaptados mas ao mesmo tempo desadaptados. Afinal, interrogam-se os luxemburgueses, de certa forma surpreendidos, pagamos aos portugueses para continuarem portugueses (com tudo o que «portugueses» tem de positivo e de negativo) no nosso país? Pagámos-lhes e ao fim deste tempo continuam a querer mais a sua bandeira do que a nossa? Adoptámo-los e, afinal, não nos querem, não nos adoptaram?
Pois, o circo moderno, o circo do futebol tem o condão de levantar alguns problemas inesperados. Ainda há dias, o deputado e ex-candidato presidencial Manuel Alegre indignava-se contra os que se indignam contra, segundo ele, a alegria dos adeptos da selecção nacional. Há uns anos, o sr. deputado Manuel Alegre barafustava nos jornais a sua indignação por ser molestado na tranquilidade da sua praia predilecta, invadida por qualquer grupo publicitário que queria dar «animação» a toda a gente. Nesta altura o sr. deputado parecia reconhecer o direito de cada indivíduo ao sossego… Mas se até o secretário-geral da ONU, Kofi Annan faz questão de apoiar publicamente a selecção do seu país, porque é que qualquer outro ser humano, com muito menos responsabilidades, não poderia fazer o mesmo? Se a chanceler alemã, Angela Merkel, faz questão de manifestar o seu apoio total à selecção alemã, porque é que os alemães não hão-de contrariar a imagem de gente disciplinada e sabedora do que é importante e menos importante, mostrando que sabem festejar como qualquer outro povo deste mundo? E se se manifestam como qualquer outro povo, isso não provará que afinal, o povo alemão é igual a qualquer outro e que, dessa forma, o passado que o distinguia já foi, ou começa a ser, esconjurado?