14 fevereiro 2007

Algumas notas sobre o novo jornal ‘P’, substituto do ‘Público’

À segunda ou terceira impressão, as imagens do ‘P’ n.º1 (12/02) parecem suceder-se à medida que se folheia as páginas. Parece um grafismo para putos, tipo “Kulto”; parece que se passam páginas de uma revista, com muitas imagens e muitas cores.
Observa-se, com delícia pouco escondida, que na pág. 15 a publicidade do burro entra pelas citações, de onde resulta que entre Ribeiro e Castro e Paulo Portas entra o burro do BES… A composição estará mal para qual destes protagonistas?!
Nas pp. 20 e 21, com uma imagem do fogo na floresta quase ocupando cerca de 2/3 do espaço, sobressai o efeito de choque, e a absorção da atenção a entrar pelo centro da fotografia fazendo dissipar o texto que a emoldura (o texto emoldura, não é a foto que ilustra…).
Na pág. 23, o leitor é tratado como menos sagaz e ajudado na sua imaturidade (aliás, este formato do ‘P’ apresenta este problema, o da forma como considera o leitor), tal como as televisões fazem quando convidam o telespectador para ficar para depois do intervalo, a procurar interessar-se por esse estranho caso, que ninguém sabe qual é, entre dois cronistas: «Helena Matos vai concordar ou discordar de Rui Tavares?» Então, «Amanhã na última pág.». “Não se esqueça destes episódios”, lembra-nos o ‘P’, mnemonicamente. “Tome nota na sua agenda.” É o excesso de boa vontade que incomoda, um certo paternalismo, uma certa maneira de olhar para o «ex-leitor». Aliás, na pág. 26 já se requer que se o leitor quiser saber «como foi a refeição da vida de Dick Nieeport», mesmo que não saiba o que significa esta figura assim apresentada, então deve ler a «Pública do próximo Domingo», sem explicitar como é que o «leitor» poderá aguentar até chegar ao «próximo Domingo» sem saber o que comeu o sr. Nieeport!
Passa-se para as pp. 28 e 29 e assalta uma dúvida, conjugando-se os tons das pp. anteriores: é o jornal desportivo a “Bola” ou é o “Público“? Ou é o início de outra coisa qualquer, o ’P’, se se quiser, mas já não aquele.
Nas pp. 34 e 35 leva-se com a «nova estrela» democrata norte-americana, Barack Obama. Mas, numa daquelas primeiras impressões, parece haver um outro rasto que conduz ao mesmo Barack. Ah! É o ‘P2’! Aqui, no ’P2’, é a capa e mais duas pp.. que lhe são dedicadas, o que levanta a dúvida se o mesmo director do novo jornal, vai participar nas primárias norte-americanas.
Na pág. 39 há uma foto da Mariza não se sabe porquê, a não ser que ilustra (ilustra?) «O quiz de Janeiro em www.publico.pt»…
Depois, entrando pelas páginas do desporto, nas pp. 48, 50, 51, vão sucedendo uma carantonha do chinês do Benfica, a foto da família Loureiro. A «Geração Loureiro» é a «limpeza» da família? Paga? Tudo pago? Na página seguinte, 52, uma tira avisa: «Vital Moreira vai ter de esperar quatro anos e meio pela presidência do Tribunal constitucional Portugal, pág. 23», não vá o leitor ter passado por cima e não se ter dado conta de tamanha adivinhação, habilidade que passará a ser oferecida no ‘P’. Na última pág. há um terço deste tipo de revisões, destes alertas para voltar atrás e ler o que não viu.
Pois, o problema é esse, saber se o leitor com o novo grafismo do “Público” consegue chegar ao fim sem ter saltado matéria importante, aquela que o próprio jornal quer lembrar ao leito que deve ler. Provavelmente, não. E se calhar, por isso mesmo, é que há um conjunto de mnemónicas para ajudar o leitor a não se esquecer! É verdade, por outro lado, que o leitor deve aprender, reaprender a ler o jornal, deve captar novos pontos de referência, páginas, textos, lugares, etc., sinalizações que lhe permitam ganhar familiaridade neste novo território de leitura. Há que adquirir automatismos, evitar a dispersão fácil do texto pela imagem avassaladora, há que habituar a visão a ver este jornal esquecendo o outro, como era o outro “Público”. Mas o problema mantém-se, sobretudo, se o leitor quiser continuar a ser o mesmo leitor e quiser continuar a ler um jornal da mesma forma como lia e se habituou ao longo dos tempos. O designer do ‘P’, Mark Porter, alega que o leitor é um «navegador», uma espécie de um «novo leitor» de jornais, isto é, de novos jornais, do tipo deste ‘P’, virado para uma espécie de revista sem ser revista, uma espécie de «site» na Internet, mas sem ser «site», uma espécie de «novo objecto» de leitura, mas sem ser objecto de leitura…, numa palavra, uma ‘coisa’, um ‘P’, que já não é bem um jornal tradicional, mas que também ainda não é outra ‘coisa’ completamente diferente. É uma espécie de ‘nim’.
Claro que tudo isto se prende com a linha definida no editorial, uma espécie de continuidade sem continuidade. Claro que tudo isto é uma experiência. Resta saber se se manterá até ao final do ano, ou daqui a dois anos ou mais. Resta saber, portanto, se uma mudança tão radical no grafismo e na concepção do ‘P’ se é um aval de sobrevivência, ou se um empurrão involuntário na queda das tiragens. Uma coisa é certa. Este jornal já não requer um leitor, mas um «navegador», o que é, tanto quanto se sabe, outra coisa.