10 outubro 2007

M.S.T. e o seu desencanto do povo

Miguel Sousa Tavares (M.S.T.) resolveu, desta vez, desabar publicamente os seus estados de alma, e um deles ao que parece causado pela eleição recente do líder do PSD, é de estar farto do povo, mais precisamente, do ‘bom povo português’. É que para ele este povo não é boa rês, não tem assim tantos atributos de que se possa orgulhar, não tem, numa palavra, um passado limpo, um presente interessante e um futuro auspicioso. M.S.T. é taxativo: «grande parte» do ‘bom povo português’ é caloteiro, batoteiro, preguiçoso, corrupto, vicioso… Daí que se compreenda facilmente a consequência que ele próprio tira deste julgamento do ‘bom povo português’: se por acaso algum dia ele, M.S.T., se metesse na política «recuaria na obrigação de prestar vassalagem ao ‘bom povo português’». Não é que não encontre bons portugueses, nada disso. O problema é o da maioria, o da «grande parte» desse povo.
Ora, M.S.T. não é cego nem é incapaz de discernir o alcance das suas próprias palavras que não são apenas belicosas para essa «grande parte» do povo, como acarretam uma visão da política que tem muito pouco a ver com padrões democráticos comummente aceites. É que ao tecer aquele tipo de comentários acerca do ‘bom povo’, classificando a sua «grande parte» como a classificou, atribuindo-lhe um juízo de valor tão negativo, M.S.T. anula a qualidade de «pessoa séria» a essa «grande parte» e naturalmente lança na lama a capacidade eleitoral de uma «grande parte» do povo que, como sabemos, é a maioria. Numa palavra, M.S.T. fere de morte a capacidade eleitoral do mais soberano dos eleitores, o povo, porque ao denegri-lo da forma como o faz, retira-lhe a idoneidade e a credibilidade – o ethos do povo – e anula-o politicamente: quem assim é, não tem discernimento para escolher e, consequentemente, para votar. Se uma «grande parte» do ‘bom povo’ não presta, qual a sua legitimidade para sobre ela assentar a base eleitoral de todo o processo de escolhas políticas democráticas? A única hipótese possível seria a de julgar-se que esta «grande parte» do ‘bom povo’ era caloteiro, batoteiro, preguiçoso, corrupto, vicioso, mas que essa natureza não interferia na sua capacidade política, e portanto não o fazia perder direitos, tal como um ladrão a cumprir pena de prisão na cadeia não perde, só por isso, a sua capacidade eleitoral.
Ora, M.S.T. não está pelos ajustes e nem esta hipótese é contemplada por ele. Bem pelo contrário. A sua posição é categórica: ele, se entrasse para a política, «recuaria perante a obrigação de prestar vassalagem ao ‘bom povo português’», pelo menos àquela «grande parte» do ‘bom povo português’, que é simplesmente a maioria… O que resulta desta recusa em relação ao ‘bom povo’, o deixar de prestar vassalagem, prescindir dessa «obrigação, equivale a dizer o que vulgarmente se designa de ‘estar-se borrifando para o povo’, quer dizer, politicamente, não reconhecer alguma espécie de legitimidade para que essa «grande parte» possa sequer pensar em governar, quanto mais ser soberano – numa palavra, o ‘bom povo’ não manda nada, ou não deve mandar... De uma penada, os alicerces da democracia desaparecem com o seu actor principal, o ‘povo’ (ou «grande parte» dele), e, em seu lugar, aparece o poder não delimitado por qualquer instância política, caracterizado desta maneira de forma negativa numa espécie de buraco vazio. Só aparentemente vazio, porque na realidade algo como o governo das elites sem «grande parte» do povo deve estar na mente de M.S.T., senão, ele não puxaria da caneta para escrever que Menezes é o «lídimo representante do ‘bom povo português’ contra as elites». A não ser que a solução seja ainda outra: a das elites, a daquela «pequena parte» do povo que se aproveita, a minoria, impor a sua vontade contra a «grande parte», a maioria, do povo que não presta. Liguem «todas as campainhas de alarme», acrescenta M.S.T..